Dr. Pérsio de Deus

O Ser Humano e o Lazer

Quando nos propusemos a escrever este texto, não fazíamos idéia que lazer nos daria tanto trabalho.

A dificuldade se apresentou pela relativa escassez de textos que abordassem o assunto dentro da perspectiva que nos propusemos. Existem diversos autores que abordam o tema do Lazer, desde os clássicos como Dumadezier, Keynes, Marx, Magalhães, Rolim, Robert Lee entre outros; mas nenhum deles sob a ótica cristã.

Diversos autores como os de orientação socialista guiados pelo pensamento Marxista ou aqueles que não entenderam o que Max Weber escreveu em   “ A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo “ atribuem equivocadamente ao protestantismo a importância exagerada ao trabalho, na seguinte seqüencia: trabalho gerando produtos,  gerando consumo,  gerando riquezas. O acúmulo de bens materiais passa a ser sinal de bênçãos divinas; sem haver portanto lugar para o lazer.

Pretendemos abordar o lazer quanto a seu sentido e importância, mormente nos dias atuais. Fazendo parte deste tema, surge com muita relevância e preocupação o “anti-lazer”: atividades apresentadas como formas de lazer mas que não preenchem os requisitos para serem consideradas formas de lazer.

Colocaremos ainda a contribuição oferecida pelo cristianismo e pela reforma protestante que oferecem a opção ao ser humano de um lazer ético e saudável.   

Palavras chaves : Lazer, Ética, Lazer sob a ótica cristã

Dr.Pérsio de Deus : médico formado pela UNIFESP com especialização em Psiquiatria . Pós Graduação em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pesquisador do CNPQ e do MackPesquisas, Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie até 2013, Medico do Serviço Médico do Mackenzie

ABSTRACT

When we set out to write this text, we had no idea that leisure would give us much trouble.

The difficulty presented by the relative scarcity of texts that addressed the issue from the perspective that we set. There are several authors who address the theme of leisure, from classics like Dumadezier Keynes, Marx, Magellan, Rolim, Robert Lee and others, but none of them in the Christian perspective.

Several authors, like those with a socialist or Marxist thought led by those who did not understand what Max Weber wrote in “The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism” mistakenly attribute the exaggerated importance of Protestantism to work in the following sequence: generating work products, generating consumption, creating wealth. The accumulation of material goods becomes a sign of divine blessings, so there is no place for leisure.

We intend to address the leisure and the meaning and importance, especially nowadays. As part of this theme, comes with a lot of relevance and concern about the “anti-leisure” activities presented as forms of recreation that do not meet the requirements to be considered forms of recreation.

Also place the contribution made by Christianity and the Protestant Reformation that offer the option to humans of a leisure ethic and healthy.

Key Words : Leisure, Ethics, Leisure upon Christian perspective

INDICE

        1. Definição de lazer       ………………………………………………. 4

        2. A importância do lazer  ……………………………………………..6

        3. O Cristianismo , a Reforma Protestante e o Lazer …….11

        4. O Lazer após a revolução industrial …………………………17

        5. O Sentido do Lazer ………………………………………………….22

        5.a O Anti-Lazer ………………………………………………………….23

        5.b Modalidades de Lazer ……………………………………………24

        6. Considerações finais ………………………………………………35

        7. Bibliografia  ……………………………………………………………37

1. Definição de Lazer

Todos temos uma idéia ou conceito de lazer circunscrita pela cultura, tempo histórico, origem étnica e religiosa; mas há a necessidade da aproximação de uma definição ou conceito sobre lazer. Esta não é uma tarefa tão fácil, pois depende do instrumento ou ponto de vista de cada área do conhecimento humano que se toma como referência  como a filosofia,história, sociologia, religião.

Etimologicamente a palavra lazer vem do verbo latino libere que quer dizer lícito, legítimo, correto. Também desse verbo latino vem os vocábulos correspondentes me francês loisir  e em inglês leisure.

Nos dicionários a legitimidade ou licitude do lazer está implícita em suas definições : folga, descanso, vagar, passatempo, diversão, recreação , tempo disponível ( AURÉLIO, 2004).

Magalhães atribui a Cícero a seguinte frase : “Laser com dignidade, no sentido de que todo o homem depois de uma vida de duro de trabalho tem direito a um honrado repouso , ou ao que depois viria a se chamar aposentadoria . (MAGALHÃES, 1959 .)

Um aspecto muito interessante é a consideração do termo lazer dentro de um contexto de tempo ligado ao trabalho, ou seja, lazer pode ser definido como o tempo disponível antes ou depois do trabalho , isto compreendido o período não ocupado no cumprimento das obrigações ou deveres habituais. Este período não ocupado compreende o sono e qualquer outra atividade livre.

Uma das maiores autoridades no assunto é o sociólogo francês JOFFRE DUMADEZIER, que adota como instrumento a sociologia e indica quatro aspectos relacionados ao lazer : econômico, sociológico, psicológico e psicossociológico.    É dele a seguinte definição ( DUMADEZIER J ,1974 )

                                             “Lazer é um conjunto de ocupações as quais o

                                          Indivíduo pode entregar-se de livre vontade,

                                          Seja para repousar, seja para divertir-se,

                                          Recrear-se, entreter-se, ou ainda para desenvolver

                                          Sua formação ou informação desinteressada, sua

                                          Participação social voluntária ou sua livre capacidade

                                          Criadora, após libertar-se ou desembaraçar-se das

                                          Obrigações profissionais, familiares e sociais”

Dumadezier  ( apud ROLIM,1989 ) refere que se considerado sob a ótica econômica, o lazer se coloca em oposição ao trabalho, pois enquanto este é útil, produz ganho e renda e principalmente lucro; o lazer por ser um tempo de “ não trabalho “ é vazio. Pensadores como Keynes e Marx aderem a esta posição. Sociologicamente, o autor considera que o tempo livre do lazer pode ser ocupado com atividades sociopolíticas ou religiosas, que apesar de serem propostas ou mesmo impostas pelas organizações sociais, podem ser aceitas de bom grado e vividas com prazer. Como exemplo a participação de um culto religioso no qual o fiel ao participar pode se sentir feliz, em paz, alegre e mais aliviado. Enquanto consideração psicológica , o autor considera lazer como ‘ um estilo de comportamento”  – um disposição interior em levar até as atividades mais responsáveis de maneira leve e prazerosa. Na conceituação psicossociológica, o autor francês apresenta o lazer “ como um tempo livre empregado na realização da pessoa como um fim em si mesma”.

O Lazer teria portanto as funções de promover o descanso, o divertimento e o desenvolvimento pessoal.

Na opinião de Rolim ( ROLIM ,1989) a vida humana está dividida em quatro períodos de tempo livre:

Segundo a autora, nesses períodos de tempo livre o indivíduo pode realizar-se através de atividades físicas, práticas, artísticas, intelectuais, sociais e espirituais que venham de encontro às necessidades individuais.

Devemos fazer uma consideração importante: não adianta acumular um grande período de trabalho, ou muitas horas de trabalho de forma intensa e querer recuperar no final de semana esse cansaço “ descansando “. O stress é cumulativo, portanto esta ordem colocada acima por Rolim deveria ser seguida como está: descanso ou lazer em todo final de dia, em todo final de semana, em todo final de ano ou período de trabalho , para poder-se chegar ao período de aposentadoria em condições de gozá-la plenamente.

Robert  Lee, escrevendo sob uma perspectiva cristã sobre o lazer ( RYKEN, 1987 ) acrescenta:

 Lazer é um tempo de crescimento do espírito humano

Lazer promove  a ocasião para o aprendizado e a liberdade

para o crescimento da expressão, para o descanso e

recuperação, para o redescobrimento da vida por inteiro

2 . A importância do lazer

Nos tempos atuais, os estudos sobre a importância do lazer estão ganhando respaldo não somente nas posições propostas dos sociólogos da era pós industrial, mas também em estudos nas áreas de conhecimento da antropologia, história, psicologia e inclusive das neurociências.

A compreensão e estudos sobre os conceitos e importância do lazer ainda carecem de aprofundamento nas diversas áreas do saber, pois ao longo da história humana tem sido encarado de maneira contraditória: na maioria das vezes representado como um tempo livre, ou então representado como um tempo vazio de ócio que pode ser perigoso e deve ser evitado ( ETHEL ,1971 )

Para termos uma noção da importância do lazer, teríamos que tentar verificar se é um fato universal e sua evolução enquanto comportamento ao longo da história humana ( pois fazer um corte transversal do momento atual traria imprecisões e distorções inaceitáveis ao processo científico ).

Isto nos coloca um desafio que provavelmente será desenvolvido com maior estudo do tema, pois existe uma carência de estudos neste sentido.

Alguns autores ( CELSO , 1995 ) consideram que em tempos remotos da humanidade as atividades do ser humano se resumiam à luta pela vida : enfrentar feras, intempéries e catástrofes naturais, conseguir alimento . Quem comandava a existência eram as funções instintivas, e a idéia de lazer estava fora de cogitação.

Discordamos do pensamento de autores como Leite, pois temos evidências que o lazer já estava presente inclusive no homem primitivo, sendo portanto universal; sofrendo naturalmente influência de variáveis como contexto cultural, etnias, tempo histórico e fatores de ordem religiosa. Mesmo os animais como os primatas que são guiados por funções instintivas em termos comportamentais, já que seu córtex racional é bastante rudimentar, apresentam inúmeras atividades lúdicas .

 Segundo a opinião do pesquisador Eduardo Ottoni do Instituto de Psicologia da USP (Revista Eletrônica de Jornalismo Científico,2009 ) as brincadeiras entre os macacos-prego são muito freqüentes. Estes macacos em geral possuem uma infância longa. Um dos fatores que contribui para o aprendizado é a brincadeira. “Elas são uma forma de explorar o mundo e seu meio social de uma maneira não perigosa. Aprender sobre os objetos e o mundo físico”, afirma o pesquisador, citando os esconde-esconde e pega-pega como treinos seguros de caça e fuga, as lutas em que ninguém se machuca. “Além disto, acima de tudo, há o prazer, pois é uma atividade gratificante e reforçadora em si mesma”, completa.

O homem primitivo gravava no interior das cavernas cenas de seu cotidiano, e isto não era uma luta pela vida, mas uma manifestação artística compreendida dentro do contexto de lazer.

Encontramos outras formas de lazer no homem primitivo nas atividades religiosas. Durkheim em seu livro “ Formas elementares da vida religiosa” buscando compreender o fenômeno religioso, valeu-se de formas primitivas de vida social estudando aborígenes australianos. O culto totêmico é assim descrito por Durkheim (DURKHEIM,1966):

…celebra-se em meio a cantos, danças, representações dramáticas.

Cantos, danças e representações dramáticas são manifestações artísticas ligadas ao sagrado; mas não são trabalho e podem ser entendidas dentro de um conceito catártico[1] de atividades lúdicas. Não somente o canto e as danças nascem do sagrado, mas a própria arte e o lazer.

Se recorrermos ao historiador e mitólogo Mircea Eliade (ELIADE,1969), fica claro que o homem primitivo não tinha noção do determinismo histórico, e vivia num constante movimento de eterna repetição de modelos ou arquétipos. Um dos pontos importantes no sentido de lazer vai ser encontrado nos rituais da Renovação do Tempo. No período que antecedia o Ano Novo, várias cerimônias e festas eram realizadas: os rituais que precediam o Ano Novo e os que se lhe seguiam.

Em nosso país, temos diversos estudiosos que se envolveram com o estudo de nossos índios; alguns  deles ainda mantendo ou resgatando antigos modos e costumes da cultura indígena. Assim se referem Pinto e Grande no livro “ Brincar, Jogar, Viver” ( Pinto LMS, Grande B S,2009 ) sobre atividades de esportes e lazer entre diversas nações indígenas de nosso país:   

Os povos indígenas do Brasil vivem competindo pela sobrevivência com os animais,pássaros e peixes, andando e percorrendo grandes distâncias nas matas e nos rios em busca de alimento, sempre mantendo uma íntima relação com os elementos da natureza.

Quando um indígena nasce, dá seu primeiro mergulho no rio ou no lago. Depois, passa por várias etapas de iniciação até chegar à fase adulta, obedecendo aos ritos culturais de sua etnia. As manifestações culturais e práticas corporais sempre estarão ligadas aos elementos que compõem a ordem natural da sustentabilidade em seu ecossistema.

O lançar da flecha certeira no Hipipi, o mergulho corporal no jogo do Jikunahati, o ajoelhar da disputa no Huka Huka, o cortar, carregar e correr com o tronco do buriti do Wuiede, o bater das bordunas no Ronkrãn, o emitir dos sons das taquaras para o ritual

do Kohixoti Kypahi, os movimentos e gestos corporais do Kuarup, compõem uma rica diversidade ritualística, que pode ser caracterizada como esporte e prática cultural.Dentre as práticas corporais tradicionais demonstradas, destacam-se as lutas corporais, atividades que são essenciais para a “fabricação do corpo” (VIVEIROS DE CASTRO,1987) e, por conseguinte, da identidade da pessoa indígena. A Uka-Uka é praticada pelos povos habitantes do Parque Nacional do Xingu e pelos Bakairi de Mato Grosso. O Iwo,pelos Xavante que estão espalhados por todo o Estado do Mato Grosso. O Idjassú é característico do povo Karajá da Ilha do Bananal e a Aipenkuit é exercitada entre os homens do povo Gavião Kyikatejê do Estado do Pará. Cada qual possui suas peculiaridades; entretanto, de modo geral, têm como função preparar o indígena para combates que exigem maior capacidade de destreza e força física. Essas práticas corporais consistem basicamente em uma disputa entre dois lutadores que têm como objetivo desequilibrar e derrubar o oponente encostando suas costas no solo. Apesar de requerer um vigor físico, não se percebeu qualquer tipo de violência entre seus adeptos.

Tihimore é um jogo de arremesso com bola de marmelo praticado pelas mulheres do Povo Paresi Haliti, estado do Mato Grosso, bem como o Xikunahaty, conhecido futebol de cabeça jogado pelos homens dessa etnia. Nesse jogo, o objetivo é passar a bola para o campo adversário em uma tentativa, usando apenas a cabeça, marcando ponto. O Katukaywa é uma prática corporal similar ao jogo de futebol, porém só é permitido, com o joelho, o contato intencional com a bola. Este jogo é praticado pelos indígenas habitantes do Parque Nacional do Xingu, estado do Mato Grosso, que nessa edição foram representados pela etnia Kuikuro. Jãmparti (Iãmparti) é uma corrida de tora que possui mais de 100 quilos, é comprida e carregada por dois atletas. Esporte tradicional realizado pelo povo Gavião Kyikatêjê-PA, tal como o Kaipy (Kaipâ), exercício com arco e flecha, praticado pelo mesmo povo.

A “peteca”, brinquedo que está presente em diversas culturas indígenas, foi apresentada em um jogo, do qual participaram além de indígenas de grande parte das etnias, voluntários, organizadores e o público. Após ser lançada para o alto, todos deveriam se empenhar para não deixar a peteca cair no solo. Aquele que o grupo identificar como responsável por esse fato sofre um tipo de punição que consiste em todos os participantes desferirem leves sopapos em quem cometeu o erro. Ressalta-se que a corrida de toras varia muito de uma sociedade para outra. Os Gavião Kyikatejê do Pará, antes de iniciarem a corrida (denominada Jãmparti), colocam duas toras de aproximadamente 3 metros de altura, apoiadas na areia sobre extremidade de diâmetro maior, ornamentada com algodão, visto que essa tora apresenta uma diferença de diâmetro entre as extremidades. Os corredores, de mãos dadas, se posicionam ao redor das toras cantando e dançando, como preparação para atividade. Entre os Gavião, as toras são erguidas com a ajuda de todos os participantes e

conduzidas por dois indígenas de cada vez, que as carregam nos ombros com a extremidade de maior diâmetro à frente. Para a passagem da tora a outra dupla, há uma pequena pausa até que esteja segura por outros dois índios.

Os Kanela, tanto homens quanto mulheres, correm com toras de aproximadamente 1 metro de comprimento por 30 centímetros de diâmetro. A tora é conduzida individualmente com grande velocidade, com acompanhamento de outros indígenas, que auxiliam o corredor equilibrando-a. A passagem é dinâmica, e o condutor da tora realiza um giro colocando-a sobre o ombro do companheiro.

 3. O Cristianismo, a Reforma Protestante e o Lazer

Na Bíblia encontramos a primeira recomendação de um tempo de descanso do trabalho ( uma das definições e conceitos de lazer )  registrados em Genesis capítulo 2 versos 1-2 :

 Assim pois foram acabados os céus e a terra, e todo o seu exército.  E havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera,. descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito .  

Após um período de trabalho, um período de descanso. Quando se pensa em lazer, se pensa automaticamente em festas. Ainda na Bíblia podem ser encontradas recomendações divinas ao povo de Israel através da palavra de Moisés quanto às festas ( Lev 23; 2-44 ) :

Disse o Senhor a Moisés:

” Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: As festas do Senhor que proclamareis por santa convocação são estas:o sábado, a páscoa,as primícias, o pentecoste,o dia da expiação, a festa dos tabernáculos.”

 As instruções para a realização das festas eram claramente determinadas, e pode-se depreender a importância delas na história do povo de Israel. Como exemplo, algumas instruções registradas em levíticos 23:39-40 :

porém aos quinze dias do sétimo mês , quando tiverdes recolhido os produtos da terra, celebrareis a festa do Senhor durante sete dias; o primeiro dia é o dia de descanso, e também o oitavo dia é o dia de descanso.. no primeiro dia tomareis para vós frutos de árvores formosas, folhas de palmeiras, e ramos de árvores cheia de folhas, e durante sete dias vos alegrareis perante o Senhor vosso Deus.

No salmo 149  está registrado :

louvai ao Senhor . Cantai ao Senhor um cântico novo, e o seu louvor na assembléia dos santos. Alegre-se Israel naquele que o fez, regozigem-se filhos de Sião no seu Rei. Louvem o seu nome com danças, e lhe cantem louvores com adufe e harpa”.

O primeiro milagre de Jesus – transformar água em vinho, se realizou em uma festa de casamento ( João 2 2-11 ) – que não era uma das festas religiosas recomendadas divinamente ao povo de Israel, e Jesus participou dela.

Temos, portanto as recomendações bíblicas sobre o lazer na orientação ao descanso após um período de trabalho, o lazer recomendado através da celebração de  festas religiosas , e o próprio Jesus Cristo realizando seu primeiro milagre e o início de seu ministério numa festa de casamento.

Rykel ( RYKEL,1987)  comenta que Jesus achava tempo para descansar, como está registrado em Marcos- 6- 30:32

Voltaram os apóstolos à presença de Jesus e lhe relataram tudo quanto haviam  feito e ensinado.

E ele lhes disse: Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto; porque eles não tinham tempo nem para comer, visto serem numerosos os que iam e vinham.

Então foram sós no barco para um lugar solitário

Ainda na opinião de Rykel ( RYKEL ,1987) Jesus traz grandes ensinamentos em seu famoso discurso sobre a ansiedade, registrado em Mateus 6-25:34

Considerai como crescem os lírios do campo: Eles não trabalham nem fiam.

Eu, contudo,  vos afirmo que nem Salomão em toda sua glória se vestiu como qualquer deles

Na opinião do autor, Jesus faz uma advertência contra a preocupação humana excessiva com o lado utilitarista da vida. Quando Jesus usa a figura “ olhai os lírios do campo” , ele faz um convite à atitude contemplativa e de observação, como uma antítese à vida de trabalho excessivo. Ele ( Jesus ) nos chama a algo não produtivo, apela à qualidade de vida, à arte, aos prazeres advindos  da beleza.

Em outras culturas não orientadas pelo eixo judaico-cristão, encontramos manifestações e importância quanto ao lazer.

Os gregos davam grande importância ao lazer, e o consideravam não somente dentro do conceito de tempo livre que podia ser ocupado por atividades meditativas e contemplativas – as explorações das idéias e as formulações filosóficas; mas criaram diversas atividades ligadas ao descanso no tempo livre como os jogos, a ginástica, esportes, as casas de banhos para relaxamento, as saunas, as massagens e diversas atividades que se ocupavam com os cuidados para com o corpo e a beleza. Criaram também, além da poesia, a ode e o Teatro. Há autores  ( Leite, C.B , 1995 ) que referem que a vida de lazer era a única indicada para um grego – posto que o trabalho era realizado por escravos.

Os romanos seguiram vários costumes gregos, as saunas romanas ecoam até nossos dias, o circo romano onde eram apresentadas atividades de entretenimento à população romana livre. Sêneca ( LEITE, 1995 ) advertia que o lazer não consistia em um parasitismo inútil, mas o cessar as atividades envolvidas em um ganho material imediato permitia a meditação sobre interesses gerais e os destinos de Roma, devendo seu uso contemplativo concorrer para o bem comum. Autores como Torres ( Torres, J.C ,1968 )  fizeram diversas considerações sobre a sociedade romana,  ponderando  que enquanto a grande maioria da população trabalhava inclusive às custas de enorme número de escravos, as “ elites” alheias e despreocupadas dos problemas sociais e econômicos da maioria da população, governavam, legislavam, estudavam e principalmente se divertiam, diversões essas que chegaram ao exagero, daí inclusive as considerações de Sêneca citadas anteriormente.

Quando necessário por aumento da tensão social, os governantes ofereciam   “pão e circo” à população : nascia o lazer como forma de manipulação social.

David Heaps em matéria publicada no Jornal do Brasil e, 20 de março de 1979 com o título “ O lazer da classe teórica” tece comparações entre o que ocorria em Roma com a elite dominante e como desfrutavam do lazer e o utilizavam como instrumento de manipulação  da grande massa da população, e conclui que “ as coisas não mudaram muito neste aspecto nos tempos atuais

Na civilização ocidental de orientação judaico-cristã, o lazer da população comum ou não pertencente à nobreza, ficava restrita às festas religiosas. Já na idade média, surgiram certos jogos ou atividades de lazer com intuito crítico e até hostil contra o poder e intransigência religiosa . Estes jogos que são a raiz da “ Fêtes de Fous” (  festa dos loucos )  eram realizadas nos próprios da Igreja e por ela controlados – como forma de desafogo da vida dura de trabalho : alguns consistiam num asno correr pelo recinto, levando à cabeça a tiara episcopal .  Outras formas de sátiras protestavam contra a ditadura do clero e  dos governantes que impunham impostos pesadíssimos para manter suas Igrejas e seus governos.

Já as elites, tanto as eclesiásticas como as da nobreza governante, mantiveram os padrões de lazer e luxúria da antiga Roma. Esta, entre outras, foi uma das razões que levaram religiosos como Calvino e Lutero a romperem com a Igreja Católica Romana e fazerem a Reforma Protestante; e através dela o retorno aos ideais cristãos: a prática do amor, da caridade, e a importância e suficiência  das Sagradas Escrituras em contraposição à tradição.  O culto reformado e seus templos despem-se da pompa e rigidez do culto católico -romano : são realizados na língua corrente ( não mais em latim ), são mais simples liturgicamente, a participação ativa dos fiéis é estimulada através da leitura da bíblia e da participação nos  cânticos. Não somente a música tem um grande impulso com a Reforma Protestante, mas inclusive todas as demais áreas das artes e da ciência. A vida do cristão reformado deve ser pautada por um senso de equilíbrio, há recomendações sobre os excessos, de acordo com as recomendações bíblicas . Volta-se à prática de se ter um dia de descanso  ou de não trabalho – no caso o domingo, que devia ser dedicado às práticas religiosas , espirituais  e ao descanso.

Diversos autores, influenciados principalmente pelo trabalho do sociólogo alemão Max Weber  “ A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo “ atribuem ao protestantismo a importância exagerada ao trabalho, na seguinte seqüencia: trabalho gerando produtos    gerando consumo   gerando riquezas. O acúmulo de bens materiais passa a ser sinal de bênçãos divinas ( ROLIM, 1989 ).  Os autores que pensam desta forma tiveram um entendimento distorcido acerca do que  Max Weber escreveu, e com certeza nunca leram nada a respeito da reforma protestante , principalmente as obras de Calvino e Lutero. Os reformadores davam importância ao trabalho, principalmente como forma de libertação de qualquer forma de opressão ou dominação da casta dominante – e desta forma realmente impulsionaram o nascimento da “burguesia”. A principal preocupação de Calvino e Lutero não era com o acumulo de riquezas materiais – atitude inclusive criticada por todos os reformados a partir de fundamentações bíblicas; a preocupação principal era com o interior do homem: sua redenção de uma vida coberta de erros e pecados para uma vida santificada e pura. A preocupação não era para com as riquezas exteriores, mas sim para com as riquezas interiores e a salvação da alma. Tal só poderia ser entendido se o povo pudesse ter acesso à leitura das sagradas escrituras , daí a grande preocupação com a educação do povo que vivia num estado de ignorância e analfabetismo , e o impulso ao desenvolvimento das ciências. Lutero criou um mote: “ em cada Igreja uma escola “ ; e nunca em cada igreja uma fábrica ou um comércio. Calvino funda em Genebra uma faculdade de Direito e uma de Medicina. O próprio Max Weber deixa esta questão extremamente clara em seu “ A Ética Protestante e o Espírito do capitalismo ” ( WEBER, 2005) :

                            Antes de tudo, é escusado lembrar que não tem cabimento atribuir

                             a Lutero parentesco íntimo como “ espírito capitalista” , seja no

                             sentido que até agora associamos  a essa expressão ou do resto de

                             qualquer outro sentido. Os próprios círculos eclesiásticos que hoje

                             costumam com todo o zelo exaltar o “feito” da Reforma em geral

                            não são nada amigos do capitalismo, seja lá e, que sentido for.

                                                                                                                  Grifo nosso  

A respeito do calvinismo assim, se refere Weber ( WEBER,2005 ):

                      Como associar essa tendência do indivíduo a se soltar dos laços

                           mais estreitos com o mundo que o abraça, à incontestável

                           superioridade do calvinismo na organização social: à primeira

                           vista parece um enigma. É que, por estranho que possa parecer de

                          início, tal superioridade é resultado daquela conotação específica de

                          que o “ amor ao próximo” cristão deve ter assumido sob pressão do

                          isolamento interior exercida pela fé calvinista. O mundo está destinado

                         a isto: a servir à autoglorificação de Deus; o cristão existe para isto;

                         para fazer crescer no mundo a glória de Deus, cumprindo de sua parte

                         os mandamentos Dele. Mas Deus quer do cristão uma obra social

                         porque quer que a conformação social da vida se faça conforme seus

                         mandamentos e seja endireitada de forma a corresponder a esse fim.

                         O trabalho social do calvinista no mundo é exclusivamente trabalho

                        In majorem Dei gloriam.Daí porque o trabalho numa profissão que

                         está a serviço da vida intramundana da coletividade também

                         apresenta esse fim.

                                                                                                    Grifo nosso

A opinião de Gonçalves ( GONÇALVES ,2006 ) foi expressa em sua comunicação apresentada no II Congresso de Ética e Cidadania realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie:

 a obra de Cristo é responsável pela reorganização moral e social da humanidade . Calvino denuncia o perigo espiritual das riquezas, recomenda a moderação e o dever à assistência social (dar esmolas). O que deve perdurar em qualquer transação econômica, deve ser, sempre: a honestidade, o amor, a moderação, a ética cristã e a caridade. Para ele o homem exerce sua plena humanidade quando trabalha. O dinheiro, a riqueza e os bens econômicos são colocados à disposição do ser humano para a organização de sua vida e da sociedade, o qual é solidariamente responsável. Calvino combatia a teologia medieval da opção pela pobreza no ascetismo monástico. Para ele a vida material está intrinsecamente ligada à vida espiritual. A formação humanista de Calvino, a sua piedade, erudição e experiência nas instituições que atuou foram determinantes para a implantação da Reforma. Ela mudou a atitude para com o dinheiro e a pobreza. A caridade é um dever, um privilégio recompensável, é uma responsabilidade social de todos. O conceito de Calvino sobre o uso social da riqueza deve nos atingir por inteiro, em todas as áreas da nossa vida, no âmbito espiritual e material.

4. O Lazer após a revolução industrial

É inegável que a revolução industrial trouxe as primeiras transformações significativas no binômio trabalho/lazer . Este binômio vem sofrendo alterações constantes até chegarmos ao momento atual – marcado pela economia de mercado onde o lazer se transforma em um produto a ser consumido . Na opinião de Marcelino  ( MARCELINO , 2003 )  podem ser apreciados dois estágios quanto ao lazer, mas que na realidade se apresentam num “continuum” :

                1. Na sociedade tradicionalmente rural , e mesmo nos setores urbanos pré- 

                industriais, não havia uma separação entre as várias esferas da vida do

                homem. Os locais de trabalho ficavam próximos, quando não se

                confundiam com a própria moradia, e a produção era ligada basicamente

                ao núcleo familiar, obedecendo o ciclo natural do tempo. O trabalho era

                freqüentemente interrompido para conversas, acompanhava o ritmo do

                homem, e não raro era executado ao som de cantos. O binômio trabalho/

                 lazer não era caracterizado.

                2. Na sociedade moderna, marcadamente urbana, a industrialização

                acentuou a divisão social do trabalho, que se torna cada vez mais

                especializado e fragmentado, obedecendo ao ritmo da máquina e a

                um tempo mecânico, afastando os indivíduos nos grupos primários

                e despersonalizando as relações. As pessoas passam a fazer parte

                de grupos variados, sem ligações uns com os outros. Caracteriza-se

                o binômio trabalho/lazer e as ações se desenvolvem como na gravação

                de um filme, onde os “ atores” participam de cenas estanques, sem

                conhecer a história de seus personagens, cenas essas freqüentemente

                Interrompidas para serem retomadas em seqüências totalmente

                diferenciadas.

Independente do momento histórico, desde o homem primitivo até o homem globalizado atual, sempre houve importância quanto ao lazer.

Organicamente, sob a ótica fisiológica, o repouso, descanso e o sono tem importância preponderante em termos da recuperação energética do organismo. Através de estudos das neurociências, sabe-se que alterações do sono – desde poucas horas de sono até má qualidade do sono produzem conseqüências como distúrbios depressivos, diminuição da capacidade cognitiva e inclusive agem como fatores predisponentes a quadros demenciais.- ( GUINDALINI C & alli,2009)

Sob o ponto de vista psíquico, o lazer apresenta papel extremamente relevante, principalmente se consideramos por um lado as necessidades lúdicas do lazer como forma de compensar tensões intra-psíquicas decorrentes da luta pela vida como frustrações, decepções, assédios, desrespeitos e tantas outras formas de opressão a que o ser humano está submetido. No lazer ligado aos jogos, aos esportes, ao sagrado, há uma projeção catártica destas tensões. Devemos ainda estar atentos às necessidades do cérebro, enquanto sede das funções psíquicas , no sentido de aliviar as áreas cerebrais responsáveis pelo processamento de informações lógicas – geralmente ligadas ao trabalho. Uma sobrecarga de informações processadas pelo hemisfério cerebral dominante pode comprometer o gerenciamento orgânico que outras áreas cerebrais processam: daí a necessidade do alívio destas áreas através das atividades de lazer que utilizem o hemisfério cerebral não dominante – não lógico, e portanto mais afeito às atividades sensíveis ou sensitivas : arte, meditação, atividades religiosas, exercícios físicos, “ jogar conversa fora” .

Como já citado anteriormente, segundo o competente autor no assunto, o sociólogo Dumazedier o lazer atende às necessidades humanas através de três necessidades ou funções básicas:

Deve-se ainda considerar o lazer criativo ou segundo outros autores o “ ócio criativo” . É necessário um distanciamento das obrigações do dia a dia para que o “ instinto”  criativo se manifeste.

Nos tempos atuais existe uma supervalorização do trabalho produtivo e uma enorme corrupção burocrática ( governamental e privada ) sustentando a produtividade. Mudanças cada vez mais aceleradas tentam pautar a vida humana pelo ritmo dos modernos meios de tecnologia de informação. Essa explosão de tecnologia trouxe como conseqüência o trabalho informal, e tanto no setor secundário como no  terciário, não raro é  realizado de forma insalubre: exposição à poluição sonora,ambiental,  atmosférica, visual . Trouxe como decorrência também um aumento do tempo livre. Que fazer neste tempo livre? Como ocupá-lo com autonomia, desfrutando de um tempo livre saudável, posto que é em primeiro lugar um tempo de descanso?

Importante consideração sobre o tempo livre destinado ao lazer, e a situação de vazio interior que assola o homem atual foi feita por Erich Frömm. Segundo o conhecido e respeitado pensador, o homem atual vive uma crise de identidade sem precedentes, não sabendo quem é. Frömm coloca de forma clara a dificuldade do homem frente à conquista do tempo livre(FRÖMM ,1978 )

                        Reduzimos a média de horas de trabalho à metade do seu total de há

                          cem  anos. Temos hoje mais tempo livre do que nossos ancentrais

                          poderiam sequer sonhar. Mas que aconteceu? Não sabemos como

                          utilizar-se tempo livre; tentamos matar o tempo que economizamos

                          no trabalho e ficamos contentes quando termina mais um dia.

Algumas atividades de lazer são atualmente tão desgastantes, que o indivíduo precisa de um outro tempo de descanso para se “ recuperar”  ou “ descansar” do lazer. Alguns autores como Marcelino ( MARCELINO , 1987) consideram este fenômeno num conceito de anti-lazer.  

O homem atual, do ponto de vista social, é um ser esvaziado de valor intrínseco; ele vale pelo que produz, não pelo que é, nem por seus valores ou convicções; ou então, vale por seu poder de consumo. Sem conseguir significado numa sociedade impessoal, volta-se à procura deste significado através da religião. Este homem esvaziado de valor perante a sociedade, posto que é mera engrenagem da cadeia produtiva e de consumo, encontra, nas novas comunidades religiosas que se formam, quem o acolha, quem o identifique como irmão, quem lhe dê importância e inclusive condições para resgatar sua identidade e significado existencial; deixa de ser anônimo e passa a ter importância para Deus e para a própria comunidade.

Este é um dos pontos importantes pelo qual Gomes (GOMES,2004) justifica o crescimento de comunidades cristãs alternativas, pentecostais e neopentecostais.

Dentro deste cenário é que vamos entender as influências que o sentimento religioso cristão exerce sobre o homem. Mais do que nunca, o homem atual necessita de religião. Assim se expressa Crespi ( CRESPI,1999) a este respeito:

O aumento da insegurança, engendrada pela queda de quase todas as certezas em que se baseavam as sociedades que nos precederam, pode provocar, de maneira reativa, o retorno às velhas formas de certeza fornecidas pelas crenças das religiões universais – cristianismo, islamismo, hinduísmo, budismo…

As considerações de Crespi e de outros autores que seguem a mesma linha de pensamento apontam para um “esvaziamento do eu”, o  “ estar no mundo “ ao invés de “ ser no mundo” numa visão Heideggeriana, e como o existencialista alemão previu, o homem se deixa dirigir por aquilo que não é seu, afastando-se cada vez mais de si mesmo e de seu projeto pessoal de vida, a ponto de na crise da ruína ( ou crise existencial ) , olhar para o espelho e não saber mais quem é.   

O que se presencia atualmente ( DEUS P, 2008 ) além do esvaziamento interior do ser humano, é um esvaziamento do Estado e o surgimento de outras formas de poder ou de relações de poder; o Estado se tornou o meio “oficial” do exercício do poder, mas não seu detentor. O que comanda o mundo atual são as relações com a ordem internacional, intermediadas não mais pelas noções de Estado, mas pela noção de mercado que são ditadas pelos grandes grupos econômicos internacionais.

 O mundo atual transformou o homem num mero ser produtivo anônimo, desprovido de outras qualificações e até mesmo de identidade. Numa linguagem marxista, o homem se “coisificou” e se tornou mercadoria de troca no mercado de consumo.  O entender marxista se faz por dois caminhos: a ideologia e a mercadoria. A ideologia está órfã no mundo contemporâneo: o que importa presentemente é o mercado, a mercadoria, e o usuário desta mercadoria, o consumidor. A luta de classes foi substituída pela luta dos grandes grupos empresariais pelo mercado de consumo: e neste contexto o lazer tem uma importância enquanto produto veiculado por grandes grupos econômicos que tem um “ mercado” ávido a consumi-lo.

5 . O sentido do lazer

Se definir lazer já não foi uma tarefa fácil, discorrer sobre seu sentido pode apresentar dificuldades maiores ainda. Inúmeras variáveis devem ser consideradas, principalmente fatores culturais, étnicos, religiosos, econômicos, tipos de personalidade, tempo histórico. Mas para não perdermos a direção enveredando por caminhos mais afeitos à nossa base científica, nos nortearemos pelas definições de lazer associando-as aos conceitos de ética.

Nas grandes metrópoles marcadas pela falta de tempo, a impessoalidade transforma as pessoas em solitárias anônimas. Os vínculos afetivos são  geralmente marcados por interesses egoístas que tornam os relacionamentos descartáveis.

Parece haver uma contradição:  num mundo marcado pela explosão de meios de comunicação encontrarmos o homem cada vez mais isolado. Na comunicação eletrônica existe grande troca de mensagens, mas não existe o calor do afago, do toque, da carícia .

Pode acontecer, por diversos motivos que algumas destas necessidades afetivas não tenham sido “saciadas” no tempo próprio do amadurecimento psicológico: o indivíduo então terá uma sensação de que lhe falta algo interiormente . Pode acontecer inclusive de ser muito rico materialmente, ser amadurecido intelectualmente, ter muitos “amigos”; mas conviver com uma sensação não muito bem definida de vazio.

A esta sensação chamamos de carência afetiva.

A carência afetiva pode ter muitas faces, pois estará ligada à função psicológica que não foi satisfeita; e nem sempre é percebida conscientemente como tal.

Existem diversas formas de tentar “resolver” as carências : os que a preenchem com trabalho e se tornam workhoolics; a busca por atividades artísticas; ações filantrópicas; o lazer que adota formas de anti-lazer no conceito já expresso por Marcelino, como a boemia, as baladas, as festas   “ raves” o uso abusivo de álcool e drogas.

5.a.O Anti-lazer

Temos uma crise de vínculos inegável no mundo atual.

No mundo dos produtos descartáveis, onde tudo é vivido de forma apressada, o estabelecimento de vínculos afetivos nas relações interpessoais é superficial, efêmero, inconstante e descartável; e a nível das relações de trabalho não raro canibalístico marcado por diversas situações de assédio moral.

A necessidade de alívio se torna cada vez mais complexa e paradoxal, pois os sentimentos advindos do stress, da sobrecarga de responsabilidades e exigências são vivenciado como algo inevitável. Mas como obter alívio?

Se sobrepondo à necessidade de alívio existe o constante sentimento de vazio descrito acima, que  é vivenciado, mas nem sempre compreendido.

Para o preenchimento deste vazio, os indivíduos se lançam a uma busca contínua e frustrante de novas experiências, de novas e “ excitantes”  formas de lazer; sem compreenderem que o vazio não está no mundo exterior com suas pesadas obrigações e desafios, mas em si próprios.

Friedman aponta as vulnerabilidades e perigos destas condições( FRIEDMAN,1972 ):

Algumas vezes tende a desorganizar sua vida fora do trabalho, a estimular tendênicas agressivas por meio das quais a personalidade procura se afirmar de maneira brutal, através do uso de excitantes de toda a espécie, dos jogos de azar e de apostas, do álcool, de hábitos ou impulsos de consumo conspícuo, de divertimentos brutais e de espetáculos de massa pretensamente “ esportivos” ou “ artísticos” , tais como lutas, filmes que ressaltam a agressividade, medo e o crime

Toda uma indústria de lazer se organiza para esses consumidores ávidos por alívio das tensões do mundo atual. Na opinião de Rolim ( ROLIM, 1989 ) estas formas de lazer incidem em um ser humano ausente de valores, ela só pode desumanizar as pessoas, não propiciando nenhum benefício. Algumas destas formas de lazer proporcionados pela “ industria do lazer ” tem como finalidade  “  anestesiar ” as  massas – tal pode ser visto no fenômeno esportivo do futebol. “A diversão “manipulativa e massificada” despersonaliza o indivíduo, ele confunde o seu “eu” derrotado e humilhado pelo “ eu coletivo” de seu time de futebol.

Outras formas de lazer proporcionados pela indústria do lazer não visam o aspecto de manipulação, mas o lucro através de seus produtos. Temos vários exemplos destas indústrias de entretenimento que foram sendo desenvolvidas no período pós-revolução industrial: a indústria fonográfica, a indústria cinematográfica, o “show business”, enormes complexos de entretenimento com verdadeiras “cidades de lazer ” como os complexos Disney´s . Obviamente, se uma indústria, qualquer que seja, não auferir lucros será inviável; desta forma é natural que a indústria do lazer tenha lucros. Deve-se considerar ainda que a Indústria do lazer em todo o mundo emprega um  número inimaginável de pessoas e vários de seus produtos , além do lucro, se enquadram dentro dos conceitos éticos de lazer: fazer uma boa ocupação do tempo livre ou de descanso, promover o desenvolvimento de potencialidades individuais, ou seja:  proporcionar repouso, diversão e enriquecimento intelectual ( segundo a proposição de Dumazedier ).

Autores como o americano Mandel ( MANDEL M ,  1995 ) apontam não somente o crescimento da indústria do entretenimento, mas tecem algumas considerações sobre alguns riscos econômicos associados a esse crescimento excessivo.

5.b. modalidades de lazer

Existem diversas modalidades de lazer, como foi visto no texto que aborda o lazer nas nações indígenas.

       1.O exercício físico e os esportes

Continuam sendo umas das práticas mais saudáveis  de lazer : estimulam a circulação, liberam endorfina ( substância envolvida na diminuição da dor e aumento do prazer ), fortalecem a parte osteo-muscular, propiciam aumento na sociabilização, diminuem as tensões advindas do excesso de trabalho – através da prática de jogos e  esportes saudáveis. Infelizmente são poucos os habituais do esporte e da prática constante de exercícios físicos. Num trabalho realizado por Camargo ( CAMARGO , 1989) e somente 8% da população pratica esporte, e porcentagem semelhante se aplica a quem pratica exercício físicos com regularidade.

Um importante estudo conduzido por Paffenbarger em Harvard , que acompanhou aproximadamente 16 mil estudantes por mais de 22 anos seguidos, mostrou que aqueles que interromperam a pratica de exercícios físicos tiveram 35% de aumento de risco de morte em relação aos que não pararam o exercício físico .

Vários são os mecanismos envolvidos na diminuição do risco de doenças cardio-vasculares relacionadas ao exercício físico, entre elas a melhora da microcirculação, a formação de circuitos circulatórios colaterais, aumento das células linfocitárias T e redução do processo inflamatório endotelial associado ao depósito de material oxidativo.

                                       Controle de peso corporal

                                                                                          Melhora da mobilidade

Diminuição da pressão                                                      articular    

Elipse: Benefícios

Fisiológicos

Melhora da                             Aumenta                            Melhora

Força muscular                     densidade                           resistência

                                                 Óssea                               insulínica

Aumento                                                 Diminuição da Depressão                                                                                                                                        

      da auto-estima

Elipse: Beneficios
psicológicos

                                   mantem autonomia                                                                            

Alívio do                                                                                      

Stress

Melhora de                         Aumento de                     Reduz isolamento

Auto-imagem                     bem estar                         social

    Gasto energético                                                     Melhora da composição corporal

Elipse: Efeitos no 
Sobrepeso e
obesidade

    Efeitos                                                                                       

Psicológicos                                                                              Aumento da mobilização da gordura

    Sensibilidade                        Reposta                   Controle da ingestão           

     insulínica                             Termogênica            alimentar

 Em 1844 é fundada em Londres por George Willian, protestante congregacional, a Young Men´s Christian Association ( YMCA ou ACM ), com os objetivos de promover aspectos da vida cultural, espiritual e esportiva entre os jovens. Em 1851 é fundada em Boston se espalhando para todos os Estados Unidos da América e se tornando uma instituição modelo em termos de esportes. Em 1891, James Naismith, um professor da YMCA do Springfield College inventa o basquete para ser praticado nos meses de inverno. Em 1902 é fundada a ACM no Brasil    (Associação cristã de moços ). Os serviços da YMCA são tão relevantes, que um de seus fundadores, Henri Dunant recebeu  prêmio nobel da Paz. ( www.wikipedia.org, 22/08/2009 )

Inicialmente havia a idéia de que os exercício deveriam ser praticados 5 dias por semana, atualmente o Colégio americano de medicina esportiva preconiza exercícios todos os dias, observando-se que deve ser evitado exercícios em altas intensidades, e nunca deve-se chegar à exaustão. Igualmente não se deve fazer exercícios após as refeições. Muito importante o uso de trajes adequados, que permitam uma respiração dos tecidos corporais adequados e calçados adequados minimizando os impactos

A caminhada é considerada com certeza a atividade física ideal para indivíduos idosos, grandes benefícios com poucos riscos (como impacto)  Pessoas com mais restrição a impacto podem substituir a caminhada pela hidroginástica.

Em nosso país, e em todo o mundo o futebol é um fenômeno que mobiliza mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo- jogadores, treinadores, árbitros, preparadores esportivos, médicos, advogados, a mídia. De acordo com um levantamento do Instituto Gallup, se considerarmos todos os indivíduos envolvidos com o futebol a cifra atingirá um bilhão de pessoas. O futebol está presente desde as “ peladas “ nos mais distantes locais, até os mega-espetáculos em super campeonatos e copas, movimentando bilhões e bilhões de dólares.

Citamos o futebol entre as diversas modalidades de práticas esportivas, e todas elas podem contribuir para uma forma de lazer saudável. Naturalmente devemos tomar cuidado ao abordarmos alguns excessos praticados em determinadas modalidades esportivas, mormente as profissionais de competição, 

o esporte deixa de ser um bem para o ser humano e se transforma num malefício regado a exageros, lesões, drogas anabolizantes e outros artifícios no intuito de bater novos e novos recordes. Neste sentido o esporte, bem como o exercício físico deixam de ser lazer para se transformarem em anti-lazer.

2. Televisão, rádio, cinema e outras formas de mídia atuais

Não há dúvidas da importância dos meios de comunicação compreendidos pelo rádio, televisão e cinema quanto ao lazer.  Estes veículos de comunicação não servem somente ao lazer. Poderíamos dizer que uma das principais finalidades do cinema é o lazer, já o rádio e a televisão tem outros objetivos a serem comunicados além do lazer; mas é inegável que famílias em todo o mundo passam a maior parte de seu tempo livre frente a aparelhos de TV. Segundo um trabalho realizado por FishK, MacLeods, Brenman J veiculado através do you tube ( Did You Know? ) o rádio demorou 38 anos para atingir 50 milhões de pessoas, a televisão demorou 13 anos para atingir a mesma cifra, a internet a atingiu em 4 anos, o Ipod em 3 anos !!. Atualmente – ao tempo da pesquisa tínhamos no mundo 1.000.000.000 usuários de internet!!. Sem dúvida, com a explosão dos meios de comunicação, o “mundo encolheu” – quase todos os acontecimentos podem ser acompanhados em tempo real. Mas os meios de comunicação não vivem somente das informações, canais de televisão fechados ( via cabo ) oferecem inúmeras programações voltados à atividade de entretenimento: desenhos infantis, filmes, esportes, variedades como Canais de história , Conhecimentos variados como geografia, hábitos e costumes,  Vida Animal  ,  Canais de música popular e clássica , entre outros. Tanto na TV aberta como na fechada, existem também programas que veiculam matérias não saudáveis considerados os conteúdos e intenção.  Há muitos críticos principalmente da televisão e da industria cinematográfica  extremamente preocupados com os conteúdos veiculados; estes críticos não deixam , em parte, de terem razão; pois algumas matérias exploram o sensacionalismo, a miséria, a pornografia e outros conteúdos que não enriquecem em nada o ser humano. Cabe no entanto ao indivíduo ter discernimento e fazer uma escolha adequada, aliás como em tudo na vida. Há entretanto, outra preocupação não muito veiculada, que se refere ao tempo em que, principalmente crianças, ficam em frente à televisão. Segundo vários trabalhos e pesquisas ( FERNANDEZ  A   1978,  ) uma criança não deve permanecer mais que duas horas frente à TV , pois em função de uma série de fatores como: campos eletro-magnéticos emitidos pelos aparelhos, alternância de ondas luminosas, alternância de ondas sonoras podem trazer prejuízos consideráveis ao cérebro. Outra preocupação, é que tanto adultos e crianças podem trocar outras formas saudáveis e necessárias de lazer como exercícios físicos, passeios, esportes , por uma quase dependência da TV- o que predispõe ao sedentarismo, obesidade, diminuição de relacionamentos interpessoais.  Desde a década passada , tanto a OMS como a Associação Americana de pediatria recomendam que crianças com menos de dois anos não sejam expostas à TV, e as com mais de dois anos tenham um período de no máximo duas horas por dia, e que outros meios de lazer devem ser incentivados. Uma pesquisa conduzida por Vanderwater  (VANDERWATER,E A ET ALAlii, 2007) há advertências severas não só ao impacto da televisão sobre a faixa etária da infância, mas também da adolescência que está exposta a diversos tipos de mídia eletrônica como celulares, internet, games e outras formas de mídia que use a eletrônica e a tecnologia. As conseqüências do abuso no uso da mídia eletrônica colocam o indivíduo em dependência do mundo virtual em detrimento do mundo real, o que traz inúmeros prejuízos ao ser humano, mas que fogem ao propósito desta comunicação. Em relação aos perigos oferecidos por alguns games;  o WipEout HD é um dos títulos mais adiados dos últimos tempos. Entre as razões apontadas para estes adiamentos esteve o fato do jogo poder ter falhado redondamente nos testes de epilepsia, algo que o fabricante desmentiu de imediato, dizendo tratar-se de um processo pelo qual passam muitos jogos. De acordo com uma notícia avançada hoje pelo portal CVG, WipEout HD vai ser comercializado com o maior e mais completo aviso contra a epilepsia que esta indústria já viu. Aparentemente, sempre que os jogadores iniciarem o jogo, estes vão ter de passar por um enorme aviso, bem maior do que o normal, onde as frases “descansar a espaços”, “jogar em locais iluminados” ou “luzes intermitentes e padrões geométricos” assumem particular relevo. Assim, se estão a pensar em adquirir este título, e se são susceptíveis a este tipo de problemas, já estão avisados para a “boa” relação de WipEout HD com a epilepsia . Este tema seria suficiente para o desenvolvimento de uma comunicação específica. (www.mygames.pt,2009 ). Alguns games tiveram que ser retirados do mercado por provocarem crises epilépticas ou cefaléias severas em seus jogadores – e não devido ao conteúdo, mas à intensidade de alternância de fontes luminosas. Por outra visão, o uso equilibrado de determinados games pode trazer ganhos ao ser humano em termos de rapidez de raciocínio  e outros ganhos cognitivos.

Há estudos que apontam para o aumento do risco de tumores cerebrais em usuários constantes de aparelhos celulares. Esses estudos foram conduzidos por pesquisadores britânicos em 12.800 pessoas ( www. plugbr.net/tumorescerebrais) .

Em relação à internet, há inúmeras vantagens relacionados a este meio de comunicação; mas também trouxe o perigo e algumas desvantagens. Os perigos extrapolam os problemas psicológicos advindos da dependência ou troca das relações interpessoais do mundo real pelas relações e trocas virtuais; mas o mundo virtual abre caminhos perigosos para uma série de produtos oferecidos pela net como invasão de privacidade, golpes de toda a sorte, pornografia, terrorismo, entre outros perigos. O aumento de viciados em pornografia pela internet tem assumido proporções alarmantes.

 A pornografia na Internet é tão extensa que é correto dizer que ela está aqui para ficar; e é provável que nunca seja impedida. A cada dia aproximadamente 400 novos web sites pornográficos são abertos na internet.
Nos Estados Unidos, estima-se de 10 milhões de crianças ficam on-line todos os dias. Muitos são ávidos para fazer “amigos eletrônicos” com quem possam bater-papo. Em um recente estudo de aproximadamente 1500 crianças com idades entre 10 e 17, descobriu-se que uma em cada quatro foi exposta indesejavelmente a algum tipo de imagem de pessoas nuas ou pessoas realizando atos sexuais. Uma em 33 recebeu uma solicitação agressiva, significando que alguma pessoa na Internet as pediu para encontrar ou telefonar, ou as mandava correspondência, dinheiro ou presentes. (HUGHES,J,2001)

 Os jornais comumente reportam incidentes em que indivíduos como um decano da Escola Divindade da Universidade Harvard, um executivo da Disney Internet, muitos professores universitários, professores de escolas, e outros cidadãos uma vez respeitados ao redor do país foram “flagrados” acessando sites de pornografia na Internet. JENKINS,2001).

Em “Pornography, Main Street to Wall Street”, (Pornografia, Principal Via Para a Wall Street) H. W. Jenkins reporta que o Dr. Mark Lasher, um sócio-fundador da Aliança Cristã para a Recuperação Sexual (é ele mesmo um recuperado do vício do sexo), pronunciou aos ouvintes de um congresso ano passado: “Muitos na comunidade médica acham que uma substância, para viciar, deve criar uma tolerância química. Os alcoólicos, por exemplo, com o passar do tempo devem consumir mais e mais álcool para alcançar o mesmo efeito”. Novas pesquisas, como a dos Doutores Harvey Milkman e Stan Sunderwirth, demonstraram que a fantasia sexual e atividade, por causa das químicas cerebrais produzidas naturalmente, têm a habilidade para criar a tolerância do cérebro ao sexo. “Eu tenho tratado mais de mil homens e mulheres viciados. Quase todos começaram com a pornografia,referiu Jenkins ( JENKINS H W, 2001)

 Não podemos deixar de mencionar a importância da arte e da cultura. Como frisamos no início de nossa comunicação, o homem das cavernas já registrava através da arte cenas de seu cotidiano no interior das cavernas. A música, a mais divina das artes, tem seu início ligado ao sagrado nos primeiros rituais e cerimoniais sagrados; aliás, a música nasce sacra e assim permanece por séculos, só bem mais tarde ela se seculariza.

 Diversos autores como Faustini ( FAUSTINI J W . 1996 ),  apontam a importância da música na formação do indivíduo, e percebe-se o uso da música desde os primórdios, em todas as culturas, independente de seu contexto histórico.

Schpenhauer, o filósofo alemão – 1788-1860 dizia “ouvir longas e belas melodias é como um banho de espírito : purifica de toda a nódoa, de tudo que é ruim e mesquinho, elevando o homem e sugerindo-lhe os pensamentos mais nobres que lhe seja dado ter”

Aristóteles : a música tem tanta relação com a formação do caráter , que é necessário ensiná-las às crianças

Lutero 1483-1546 : a música é filha do céu, e o homem que verdadeiramente a ama não pode ter senão bons sentimentos. Eu não tenho consideração alguma por um povo que não saiba cantar. Aqueles que ficam insensíveis à música são corações secos, que só posso comparar com pedaços de rocha ou de madeira. A música é a maneira de disciplina que torna o homem mais paciente e razoável. Vem de Deus e não dos homens. Por isso não tenho receio de dizer : depois da teologia, nenhuma arte lhe pode ser comparada.

A música tem sido usada como elemento terapêutico desde os tempos do Rei Saul, mas nos últimos anos tem sido mais utilizada como terapia, sendo inclusive um dos ramos da psicologia – a musicoterapia, e usada em diversas doenças, hospitais e programas de recuperação.

Abordaremos alguns aspectos importantes em relação à música:

  1. Há uma importância em termos de estimulo à sociabilização quando a música é realizada em grupo : corais, orquestras, bandas . Atividades em grupo intermediadas pela música criam um espaço propicio ao desenvolvimento e amadurecimento de diversas funções psíquicas, desde as sensitivas, cognitivas até as funções responsáveis pela sociabilização . Na música grupal as funções egoístas cedem espaço ás funções altruístas. Podemos acrescentar ainda o importante sentido de “ pertença” ou de pertencimento que é facilitado pela música grupal
  2. As neurociências tem enfatizado a importância dos estímulos musicais no desenvolvimento de áreas cerebrais, mormente à infância
  3. Ainda as neurociências tem mostrado a importância da música no cérebro adulto, posto que é processada pelo cérebro não dominante ou cérebro sensível, permitindo desta forma um descanso do cérebro lógico
  4. Diversos sentimentos e emoções que não conseguiram se estruturar com o concurso das funções intelectuais, ficando não raro reprimidos e produzindo gasto de energia no indivíduo, podem ser liberados através da música.
  5. Como disse Lutero, a música não é dos homens, mas vem de Deus; e realmente, a música é um dom ; há uma diferença marcante entre tocadores de piano e pianistas!!! O verdadeiro músico tem um dom, e cremos que este dom é um dom dado por Deus. Não podemos ainda nos esquecer que a música nasceu dentro do sagrado, sendo uma das primeiras formas que o homem encontrou para se comunicar com Deus.

Não somente a música,quer sacra, folclórica, popular; mas outras manifestações artísticas seguem os mesmos princípios benéficos ao ser humano apontados acima : a pintura, escultura, teatro, poesia, literatura, e outras formas de manifestações culturais, próprias a cada cultura e tempo histórico tem um papel importantíssimo como agentes de lazer.

Finalizando as modalidades de lazer, sem com isto pretender esgotar o assunto, precisamos mencionar a importância do Turismo como forma de lazer. As viagens com intuito de descanso, lazer e divertimento e enriquecimento individual existem desde a antiguidade – primeiramente ligadas novamente ao sagrado.Luis Octavio de Lima Camargo (CAMARGO1989 ) refere que o turismo é uma das formas mais nobres do lazer. Segundo o renomado autor, nossa vida pode ter como referenciais ante, durante e depois das viagens de lazer.Para Erich Cohen ( apud Parker S,1978 ) : o turismo é uma evasão à rotina, para uma experiência raramente presente na vida cotidiana do viajante  .

A atividade do turismo tem uma pujança e importância econômica tão relevantes, que chega a ser a principal fonte de renda de algumas cidades e até mesmo países: veja-se como exemplo atual o esforço de alguns países árabes preocupados com a diminuição das riquezas naturais advindas do petróleo e que investiram bilhões de dólares na indústria do turismo.

Didáticamente o turismo pode ser dividido ou classificado como :

-Turismo social: proporcionar a grupos não raro heterogêneos de pessoas que não dispõe de meios para viajarem, terem estas atividades subsidiadas por entidades de caráter social

-Turismo externo : voltado ao conhecimento de outros países e lugares, suas culturas, hábitos, locais históricos. Sofre a influência de diversas variáveis, desde climáticas, políticas, econômicas; mas em todo o mundo há uma indústria neste sentido extremamente organizada e lucrativa.

-Turismo interno : voltado ao conhecimento dos locais de nacionalidade dos viajantes. Devido a uma série de problemas com a ordem internacional, este tipo de turismo tem aumentado bastante. Nas últimas décadas, nosso país avançou muito em termos de infra estrutura e rede hoteleira; sendo que na renda de alguns estados o turismo já tem um peso econômico considerável.

-Turismo ecológico : com aumento da consciência ecológica e a necessidade de preservação do planeta e suas riquezas naturais, este tipo de turismo tem aumentado muito nos últimos anos

-Turismo religioso : devido à diversidade religiosa em nosso mundo, há uma grande massa de religiosos que viajam em “peregrinação” ou somente com o intuito de conhecer e vivenciar “in locu” os lugares santos ou sagrados.

-Turismo sexual: contrapondo-se ao turismo religioso, existe também esta torpe e deplorável forma de turismo , que choca, revolta e mostra até onde pode chegar a indignidade e a falta de ética do ser humano.

Para finalizar este tópico das formas de lazer, precisamos nos lembrar que grande  parte das formas de lazer pode ser realizada sem qualquer gasto econômico, tanto nas grandes metrópoles quanto no campo.

 Diversas atividades culturais e artísticas nas grandes cidades são gratuitas, mais uma vez enfatizamos a prática da caminhada que exige apenas local adequado e seguro e trajes esportivos, a participação de uma celebração ou culto religioso nas religiões tradicionais é voluntária e isenta de conotações financeiras como “ contribuições”, cantar, participar de um coral, e tantas atividades que dependem dos valores que cada um constrói sobre lazer.

6. Considerações Finais

 Termino o texto com uma cena intimista, um hábito praticado em muitas famílias de nosso país, mais comum nas do interior. Lembro-me das conversas, dos “ causos” contados à beira do fogão de lenha na casa de minha avó no interior de Minas Gerais . O culto doméstico dirigido por meu avô, histórias, estórias, lembranças, idéias, brincadeiras, emoções, o compartilhamento de vivências num ambiente descontraído, espontâneo, onde ocorria simultaneamente o descanso do dia de trabalho no campo e o enriquecimento pessoal e coletivo na tradição oral da reafirmação de valores e da unidade religiosa e familiar. As fornadas de pão de queijo, a carne de porco guardada na lata na banha, galinhada, arroz com suã, broas de milho e de fubá, doce de leite com queijo meia cura, biscoito de polvilho com cafezinho mineiro : tudo era muito saboroso, mas muito bom mesmo! ( só quem provou sabe o que é) ; mas o mais gostoso era a conversa, cada parente chegando e já contando “ as suas” . O “ jogar conversa fora”  era uma forma de lazer simples, e em sua simplicidade, extremamente rico, pois essas conversas ficaram “ dentro de nós” forjando nossos valores para sempre , a oração antes da refeição, bem como as lembranças daqueles sabores e aromas. Tempos bons, tempos de jantares em família.

 A Ética que tem como objetivos a promoção da vida humana através de um equilíbrio entre as diversas formas da dimensão humana ( compreendidas pelos instintos, afetos, razão, espiritualidade  e emoção ) tem um compromisso em libertar o homem das opressões e das tradições culturais infundadas, e desta forma buscar a dignidade da vida para o ser humano. Como já foi apontado em outros capítulos, o objeto da Ética é a moral, mas seu objetivo é a felicidade humana, não dentro de uma visão utópica e individualista; mas uma felicidade dentro de um contexto da coletividade. O lazer saudável se enquadra perfeitamente dentro destes objetivos: de promover um equilíbrio entre as tensões advindas do trabalho e a ocupação do “ tempo livre” , desta forma contribuindo para a melhoria da qualidade de vida do ser humano, brindando-o, presenteando-o com o divertimento, o descanso e o enriquecimento pessoal. Finalizando, deixo o texto aberto a novas contribuições de outros autores, pois o pensamento acadêmico se enriquece com a interdisciplinalidade , com a pluralidade e com a diversidade de saberes.

Deixo o pensamento que sintetiza conceitos de qualidade de vida, lazer e ética pronunciado por Jesus Cristo:

     “ Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” , Jesus Cristo.

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[1] Segundo Yves Pelicier (1971, pp. 22-25), a catarse, originalmente do grego catharsis, significa purgar do corpo e purificar a alma. Este termo grego designa igualmente todas as técnicas que libertam, facilitando a expressão de conflitos interiores.

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