Análise do filme Um Método Perigoso

Dr. Antonio Maspoli

A matéria publicada pela Revista Época, intitulada “Paciente, discípula e amante”, resume bem a história contada no filme. Leia a seguir:

Genebra, outubro de 1977. Um maço de documentos resgatados nos porões do Palácio Wilson, que no passado abrigara o Instituto de Psicologia, trouxe à luz detalhes de uma das tramas mais fascinantes do período nascente da Psicanálise. Foram encontradas 46 correspondências do psicólogo suíço Carl Jung, 21 do vienense Sigmund Freud e 12 da até então pouco conhecida Sabina Spielrein – além de partes de seu diário íntimo, entre 1909 e 1912. Sabina era uma espevitada morena de porte mignon, que viria a participar do palco da nascente disciplina, ao lado de seus dois principais expoentes.

Neta e bisneta de rabinos e filha de um bem-sucedido comerciante de Rostov-On-Don, Sabina, aos 19 anos, viajara para Zurique, em 1904, para inscrever-se na Faculdade de Medicina. Em vez disso, foi internada no dia 17 de agosto, no Hospital Burgholzli, acometida de um surto de histeria aguda. Passou a ser submetida a tratamento ministrado pelo jovem médico Carl Jung, de 29 anos, que a essa altura já se correspondia com Freud, então com 48. Num relatório a Freud, Jung afirmou que, quando criança, a paciente, a qual era assaltada por medos noturnos, se excitava sexualmente com as surras aplicadas pelo pai – um homem de humor instável, tirânico e depressivo, que, em alguns momentos, ameaçava suicidar-se. Bastava olhar para uma mão que lembrasse a do pai para que Sabina se masturbasse. Jung não deixou de notar a aguçada inteligência da paciente, a qual, aos 7 anos, já era fluente em francês e alemão e, mais tarde, inglês.

A relação entre Jung e Sabina evoluiu, à medida que o tratamento avançava. Primeiro, ela o ajudou a monitorar os testes de associação de palavras, um dos experimentos iniciais de Jung, no campo de sua futura psicologia analítica. “É difícil formular um parecer sobre o estado mental de Sabina Spielrein”, escreveu o psicólogo italiano Aldo Carotenuto, autor de Diário de uma secreta simetria, obra em que se debruça sobre a correspondência. “A hipótese mais provável é que ela tenha tido um surto psicótico rapidamente controlado pela intervenção de Jung.”

O filme trata de temas complexos da psicologia junguiana, como saúde mental, teste de associação de palavras e complexos psicológicos. Destacaremos aqui os complexos psicológicos de Carl Gustav Jung e suas implicações para a psique.

Na concepção de Jung, os complexos originam-se de conflitos e traumas pessoais ou coletivos. Devido a esses conflitos, um determinado conteúdo é separado do ego e da consciência, permanecendo no inconsciente e nele fazendo inúmeras relações com conteúdos afetivos afins, formando uma entidade psíquica. O conceito de complexo, em Carl Gustav Jung (1998), é um constructo psicológico denso:

O que é, portanto, cientificamente falando, um “complexo afetivo”? É a imagem de uma determinada situação psíquica de forte carga emocional e, além disso, incompatível com as disposições ou atitude habitual da consciência. Esta imagem é dotada de poderosa coerência interior e tem sua tonaliade própria e goza de um grau relativamente elevado de autonomia, vale dizer: está sujeita ao controle das disposições da consciência até um certo limite e, por isto, se comporta, na esfera do consciente, como um corpus alienum corpo estranho, animado de vida própria. (JUNG, 1998, p. 99).

A etiologia dos complexos encontra-se num choque emocional, num trauma, em algum incidente análogo ou mesmo em um conflito moral etc. Em todos esses casos, a intensidade do choque emocional é tamanha que produz uma cisão e/ou uma dissociação do campo do sujeito. Os complexos reprimidos no inconsciente ganham vida própria e podem emergir na consciência do sujeito, como se fora uma possessão (JUNG, 1974).

A repressão do trauma não resolve nem absolve o sujeito do sofrimento psíquico. O trauma continua vivo e presente no inconsciente. O trauma interfere, por meio da dissociação e do complexo na vida do sujeito. Memória, cognição, afetos e sentimentos podem atuar de forma segmentada e descontínua, na consciência do sujeito. “Isso significa que os elementos normalmente unificados da consciência (isto é, a conscientização cognitiva, o afeto, a sensação, a imagística) não têm permissão para se integrar.” (KALSCHED, 2013, p. 31). Os complexos são grandezas afetivas autônomas, de conteúdo psíquico inconsciente. Um complexo pode apresentar graus diversos de tonalidade afetiva. Quando interferem no comportamento do sujeito, os complexos podem alterar a linguagem, a memória, a afetividade e mesmo a saúde:

Quem estiver sob a influência de um complexo predominante, assimila, compreende e concebe os dados novos que surgem em sua vida, em conformidade com este complexo, ao qual ficam submetidos; em resumo: o indivíduo vive momentaneamente em função do seu complexo, como se vivesse num imutável preconceito originário. (JUNG, 1975, p. 206).

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