Antonio Maspoli

Introdução
A Ceia do Senhor ou Santa Ceia como tornou-se conhecido o ritual do partir o pão e tomar o vinho no protestantismo já foi estudada exaustivamente do ponto de vista teológico.  Para uma compreensão teológica da Ceia do Senhor remetemos o leitor aos abalizados autores a seguir: São Mateus (MATEUS 26:26-30); Tillich (TILLICH, 2007, p. 163); Klein (KLEIN, 2005, p. 29); Berkhof (BERKHOF, 1992, p. 226), Lutero (LUTERO, 1993, p. 227); Calvino (CALVINO, 2006, p. 141); Hodge(HODGE, 1877; 2001).  Sob a perspectiva psicológica nem tanto. Carl Gustav Jung não pesquisou a Ceia propriamente dita. Seus estudos focaram-se mais na compreensão dos fatores que levaram um ou outro teólogo em direção a esta ou aquela interpretação sobre a Ceia.  O pensamento psicológico de Jung sobre a Ceia do Senhor é embasado teologicamente. Jung apresenta inclusive um resumo histórico das quizílias teológicas que dividiram a Igreja Cristã em torno do debate sobre a Santa Ceia.
O dogma da transubstanciação é um dogma tardio, que aparece sob a égide do Sacro Império Romano Germânico já no século XI da era cristã (JUNG, 1991, pp. 27-39) O autor da transubstanciação é o Abade Pascásio Radberto “com um escrito sobre a ceia cristã, onde defendia a doutrina da transubstanciação, isto é, afirmava que o vinho e a hóstia, na comunhão, se transformavam no verdadeiro sangue e verdadeira carne de Cristo” (JUNG, 1991, p.38).  Radberto foi contestado por Sscoto Erígena, filósofo e teólogo, que “era de opinião de que a ceia nada mais representava do que uma recordação da última ceia que Jesus celebrou com os discípulos, o que aliás, toda pessoa razoável vai pensar em qualquer tempo (JUNG, 1991, p. 30). Aqui Jung coloca sua posição na boca de Sscoto Erígena e generaliza. Jung protestante, também não acreditava no dogma da transubstanciação. A doutrina protestante sobre a ceia difere da doutrina católica da transubstanciação.
A Reforma Religiosa do XVI século redimensionou a controvérsia sobre a Ceia do Senhor no debate travado entre Martin Lutero, João Calvino e Ulrico Zuínglio, em alemão Ulrich (ou Huldrych) Zwingli. Jung focaliza em sua pesquisa especialmente a controvérsia entre Martin Lutero e Zuínglio sobre a Santa Ceia.
A doutrina da transubstanciação foi sancionada pelo Concílio de Latrão em 1215. Lutero fora criado nesta crença e tradição. Era lhe penoso romper com este dogma. A reforma protestante, contudo, exige uma nova interpretação da ceia.  Temeroso de romper com a Igreja ele propõe uma fórmula conciliatória. Não conseguia se libertar dos aspectos sensoriais da Ceia. “Defendia portanto, a presença real de Cristo na ceia. Para Lutero o cristão recebia “no e sob o pão e o vinho, o corpo e o sangue de Cristo” (JUNG, 1991, p. 74). Esta doutrina luterana sobre a ceia do senhor recebeu o nome de consubstanciação. “Segundo a chamada doutrina da consubstanciação, está realmente presente, além da substancia do pão e do vinho, também a substância do corpo sagrado” (JUNG, 1991, p. 74). reagiram Calvino e Zuínglio. Lutero procurou refutar os argumentos contrários a sua doutrina com a doutrina da onipresença ou volipresença de Deus. Doutrina esta que afirma que Deus está presente em toda parte, logo esta presente também no pão e no vinho da ceia do Senhor. Essa afirmativa de Lutero “queria conservar a realidade da impressão sensória e de seu específico valor sentimental”no ritual da ceia (JUNG, 1991, p. 75).
A posição de Lutero suscita debate e oposição. A igreja que emerge da reforma se pretende e se afirma evangélica. A centralidade de o culto protestante estar na Palavra de Deus. Da forma como Lutero colocou a questão da ceia dava a entender que o centro do eixo litúrgico deixava de ser a Palavra. A ceia poderia ocupar o lugar central da celebração protestante. Zuínglio reage.

“Em oposição ao ponto de vista de LUTERO, defendia ZUÍNGLIO uma concepção puramente simbólica. Segundo ele, tratava de uma recepção ‘espiritual’ do corpo e sangue de Cristo. Este ponto de vista se caracteriza pela razão e por uma concepção ideal da cerimônia.” (JUNG, 1991, p. 75).

O princípio evangélico preservado por Zuínglio em sua concepção da ceia do senhor, para Jung era a Palavra de Deus (JUNG, 1991, p. 75).  Jung não escreveu nenhuma leitura psicológica da Ceia do Senhor, escreveu sobre a Missa. O simbolismo da Santa Missa (JUNG, 1988, 205-216). A obra retrata o mistério da missa de um ponto de vista puramente fenomenológico.  Não aborda, portanto, aspectos teológicos, uma vez que as realidades da fé ultrapassam o domínio da Psicologia. A psicologia não pode asseverar juízo de valor sobre os elementos espirituais físicos da Ceia. O seu campo de atuação é limitado. Foca-se nas conseqüências da Ceia sobre aqueles que dela participam.
O rito da missa é, em cada uma de suas partes, um símbolo. Símbolo, neste caso não se refere meramente a um sinal arbitrário e intencional de um fato conhecido e compreensível, mas sim a uma expressão de caráter antropomórfico e por isso mesmo vivo, válido apenas em certas condições. O símbolo é na verdade a melhor expressão possível de um mistério, mas está muito abaixo do nível do mistério que significa. A missa, portanto, é um símbolo antropomórfico, de algo sobrenatural, e que ultrapassa a capacidade de compreensão do homem, o seu simbolismo também pode ser objeto de investigação da Psicologia.

“Enquanto o símbolo for vivo, é a melhor expressão de alguma coisa. E só é vivo enquanto cheio de significado. Mas, uma vez brotado dele, isto é, encontrada aquela expressão que formula melhor a coisa procurada, esperada ou pressentida do que o símbolo até então empregado, o símbolo esta morto, isto é, só terá ainda significado histórico. “(JUNG, 1991, p. 444).

Tomando como modelo a interpretação psicológica realizada por Carl Gustav Jung (JUNG, 1988) sobre o sacrifico da missa esta pesquisa fará uma interpretação psicológica do ritual da Santa Ceia na tradição protestante calvinista. Não se pretende interpretar a Santa Ceia, nem em termos exegéticos e, nem em sentido teológico. A Ceia será considerada somente quanto aos seus conteúdos puramente psicológicos os quais podem ou não ser evocados no ritual de celebração.
A Igreja Calvinista, conhecida no Brasil como Presbiteriana e ou Reformada, acredita que, desde a queda de Adão e em conseqüência de seu pecado, todos os homens são naturalmente necessitados de salvação e santidade, totalmente alienados de Deus e justamente submetidos a seu decreto eterno. O plano de salvação de Deus para o homem neste estado é, do princípio ao fim, um sistema de graça imerecido. A mediação de Jesus Cristo, incluindo sua instrução, seu exemplo, seu sacrifício na cruz, sua ressurreição, ascensão e intercessão, são os únicos meios de salvação do homem e de sua volta para Deus, pelo arrependimento. Ainda estes meios seriam sem eficácia se Deus não houvesse revelado ao homem uma justificação gratuita, através dos méritos da pessoa e do sacrifício de Jesus Cristo e se o Espírito Santo não aplicasse esta obra no coração dos homens. Esta expressão de fé puritana marcou toda a igreja protestante nos Estados Unidos e foi transplantando para o Brasil pelo protestantismo de missões (MENDONÇA, 1995, p. 49).
A celebração da ceia do senhor é um meio de graça especial destinada nesta expressão de fé aos eleitos de Deus, salvos em Jesus Cristo. João Calvino, que começou sua obra alguns anos após a eclosão da reforma luterana, era muito diferente de Lutero quanto à personalidade e às circunstâncias em que realizou sua tarefa reformadora. Era reservado, de saúde frágil, embora dotado de grande energia e determinação irresistível. Limitou suas atividades a praticamente duas cidades: Genebra e Estrasburgo. Mas, foi a partir de Genebra que estendeu a chama da Reforma pela Suíça, França, Países Baixos e Inglaterra.  Diferentemente de Lutero, e também de Zuínglio, João Calvino formula uma outra interpretação para a ceia do senhor. Grafamos aqui a compreensão de João Calvino sobre a Ceia.

“Porque, quando vemos o pão que nos é apresentado como sinal do sacramento do corpo de Jesus Cristo, devemos imediatamente tomar essa figura ou semelhança no sentido de que, assim como o pão nutre, sustenta e mantém a vida do nosso corpo assim também o corpo de Jesus Cristo é o alimento, a nutrição e a preservação da nossa vida espiritual. E, quando vemos o vinho que nos é oferecido como sinal do sangue de Jesus Cristo, somos levados a pensar no efeito e no proveitoso benefício do vinho para o corpo humano, fazendo nos apreciar o que o sangue de Jesus Cristo efetua em nós e o proveito que nos dá espiritualmente.” (CALVINO, 2006, p. 7-9)

Na Ceia do Senhor há um elemento místico que une todas as partes integrantes da ação sacrifical e que pressupõe a idéia de transformação dos participantes no sentido de um milagre por meio da participação mística na vida e na obra de Jesus Cristo: os dons oferecidos na Santa Ceia são objetos naturais concretos e universalmente conhecidos, a exemplo da farinha de trigo transformada em pão, e que simboliza o corpo de Cristo; e da uva transformada em vinho, e que simboliza o sangue do Cristo. Além disto, o próprio oficiante é também uma pessoa comum, embora dotada de uma vocação divina, não se reconhece no protestantismo calvinista nenhum dom especial para o celebrante da ceia. O oficiante não é o senhor absoluto da oblação, é apenas um ministro, um servidor e instrumento da graça divina e até mesmo sua condição de oficiante deriva da graça e não dele próprio: “Mas a graça foi dada a cada um de nós segundo a proporção do dom de Cristo” (EFÉSIOS 4:7).
Na ceia calvinista considera-se que o verdadeiro oficiante é o próprio Cristo. A Ceia começa com a proclamação da presença de Jesus Cristo.  A partir deste momento é o próprio Cristo que está presente, e, portanto, há aí uma quebra dos condicionamentos temporais e espaciais que separa o espírito humano da visão do eterno. Esse acontecimento é necessariamente um mistério, pois se situa além da capacidade humana de compreensão e representação e,  é por isso,  que o rito da ceia é  apenas um símbolo. A partir desta afirmação de fé a Ceia do Senhor serás considerada para o cristão quanto aos seus aspectos primordiais, a saber: a) a vocação primordial para se assentar a mesa de Deus; b) o tempo primordial onde acontece a celebração: o kairós de Deus; c) o espaço primordial da celebração: a mesa de Deus d) os elementos primordiais usados na celebração: o pão e o vinho; e) os sentimentos primordiais envolvidos na celebração; f) o sentido do sacrifício primordial.
A Ceia do Senhor é um dos dois sacramentos da Igreja Calvinista. O outro é o batismo. Não se pretende tratar nesta pesquisa do simbolismo do batismo posto que foge ao escopo deste trabalho.
A obra de Cristo é aplicada no coração do cristão através dos meios de graças. Os meios de graças especiais no calvinismo são a Palavra de Deus e os Sacramentos.  Cristo é a palavra encarnada. “O verbo que se fez carne e habitou entre nós cheio de graça e de verdade.” (JOÃO 1:14). Por meio da sua Palavra, considerada a revelação especial de Deus no protestantismo calvinista, a própria encarnação do verbo, Deus não só se revela ao homem, mas o procura por meio de Cristo. Cristo não tem uma mensagem, ele é a própria mensagem, a revelação de Deus. O logos que assumiu a forma humana: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai,” (JOÃO 1:14 (João 1:14).
O que é um sacramento? No pensamento calvinista “Um sacramento é uma ordenança, instituída por Cristo, na qual por sinais sensíveis, Cristo e as bênçãos do novo pacto são representados, selados e aplicados aos crentes.” (Resposta a Pergunta 92 do Breve Catecismo, p. 435). O sacramento é um símbolo visível de uma graça invisível.

“Na noite em que foi traído, nosso Senhor Jesus instituiu o sacramento do seu corpo e do seu sangue, chamado Ceia do Senhor, para ser observado em sua Igreja até ao fim do mundo, para ser uma lembrança perpetua do sacrifício que em sua morte ele fez de si mesmo; paras selar, aos verdadeiros crentes, todos os benefícios provenientes desse sacrifício para o seu nutrimento espiritual e crescimento nele, e ser um vínculo e penhor de sua comunhão com ele e uns com os outros, como membros do seu corpo místico.!(Capítulo  XXIX, Da Confissão de Fé de WESTMINSTER, p. 146).

Passemos então ao simbolismo da Santa Ceia. A Santa ceia nasce com o chamado de Deus, a vocação eficaz. Essa vocação começa com a vocação primordial para a caminhada com Deus: “Vinde a mim” e continua com o chamado para participar da celebração da ceia.  O chamado para participar da Ceia do Senhor é um chamado universal e perene, arquetípico.  para todo aquele que ouvir a voz do Senhor: “Vinde, comei.” (João 21:12) Aquele que responder a este  chamado, biblicamente esta apto para sentar-se com Jesus Cristo a sua mesa. “E disse-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo; Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar .” (ATOS 2:38-39)
A mesa do Senhor é marcada pela fartura da sua presença e da sua graça transbordante pela alegria, e para a celebração da vitória do Cristo sobre a vida e sobre a morte. A Ceia é a proclamação da glória de Deus.  É marcada ainda pela celebração da existência humana em sua comunhão com o Deus crucificado e ressurreto na caminhada de Deus com o seu povo.   Em geral os cristãos ainda tomam a ceia com certa tristeza, contudo, contrariando este sentimento a Bíblia registra que Cristo cantou um hino ao término desta celebração: “E, tendo cantado o hino, saíram para o Monte das Oliveiras.”(MATEUS 26:30).
Na sequência da convocação dos eleitos de Deus para participar da Ceia o oficiante consagra os elementos da celebração: o pão e o vinho. Na Santa Ceia a consagração dos elementos pão e vinho dão inicio a celebração.  Na consagração dos elementos o próprio pastor e a comunidade, assim como as oferendas e o altar, se acham preparados pelo Espírito Santo, consagrados, elevados, santificados, espiritualizados e conseqüentemente formam uma unidade mística com Cristo, torna-se assim pela fé, o corpo vivo de Cristo. A celebração da Ceia evoca a epifania do Senhor, em virtude das orações, e dos ritos, e dos cânticos, e da pregação da palavra de Deus que já aconteceram no decorrer do culto. Sentar-se a mesa de Deus equivale, no coração do crente, a participar do shekinah.
A celebração instaura e recria o tempo primordial: o kairós de Deus. O homem religioso vivência a experiência de dois tempos que se entrecruzam: o tempo profano e o tempo sagrado (Eliade,s.d.).  O tempo profano é representado pelo khronos e o tempo sagrado pelo kairós.  Antes de adentrarmos a esta discussão tem-se uma pergunta simples para se responder. O que é o tempo? Se alguém me perguntar eu sei, se quiser explicar já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que se não houvesse a memória, não haveria tempo passado, que se o nada sobreviesse, não haveria tempo futuro e, se agora o nada houvesse, não existiria tempo presente. Santo Agostinho (AGOSTINHO, 1984) no Livro das Confissões afirma que os tempos geralmente contados como três na verdade é apenas um: o tempo presente. O tempo passado é aquele que já se foi, portanto já não é. O tempo futuro, é que o que será, portanto não se pode garantir que exista, pelo menos como possibilidade.  “Hume aponta para uma incômoda questão: temos absoluta certeza de que o Sol, que nasceu ontem e hoje, também nascerá amanhã – mas como chegamos a esta conclusão, se o seu oposto não é impossível?” (CHAGAS, 1987, p. 383). Resta o tempo que corresponde ao presente linear do grego koinê, aquele tempo que se encontra marcado num ponto qualquer da escola, entre o Alfa e o Ômega. Dizendo de outro modo podemos afirmar que o tempo presente desdobra-se em três: o presente das coisas passadas, o presente das coisas presentes e o presente das coisas das futuras.
Eliade (1992) observa que o homem secularizado, pós moderno, só conhece o tempo khronos, o tempo monótono do trabalho, da espera, da doença. Falta-lhe, entretanto, o tempo do lazer, da festa, da probabilidade e da possibilidade, o tempo da esperança. Para esse tempo, o tempo não tem mistério, o tempo é começo e fim, antes e depois, e independente de seus diferentes ritmos temporais. O homem não religioso desconhece o tempo kairós. O “homem não-religioso sabe que se trata sempre de uma experiência humana, onde nenhuma presença divina se pode inserir”. (ELIADE, 1992, p. 61). O tempo cronológico é o tempo do relógio moderno: Diante do relógio tudo passa, a hora, o minuto, o segundo, passa o khronos, e o kairós. O tempo passa!

 “Não podemos conceber o tempo senão com a condição de distinguir nele momentos diferentes. Ora qual é a origem dessa diferenciação? Certamente, os estados de consciência que já experimentamos podem se reproduzir em nós, na mesma ordem em que aconteceram primitivamente: e assim, porções do nosso passado voltam a ser presentes, mesmo distinguindo-se espontaneamente do presente”. (DURKHEIM, 1989, p. 39).

       Outro é o tempo sagrado, o tempo do rito, da festa, do sacramento, da celebração, da esperança. “O tempo sagrado é pela sua natureza própria reversível, no sentido em que é, propriamente falando, um Tempo místico primordial tornando presente.” (Eliade, s.d. p. 81). O tempo sagrado situa-se em outra dimensão. Ele permite ao homem religioso por meio do mito e através do rito adentrar esta outra dimensão de tempo e dela sair quanto vezes forem necessárias. O tempo sagrado corresponde ao tempo do inconsciente coletivo e pessoal, o tempo primordial da mente, onde tudo esta acontecendo no presente, onde tudo esta registrado no presente, onde tudo esta evocado no presente.  Todo rito, toda celebração sagrada produz a possibilidade de recriação do tempo primordial que deu origem ao rito e a celebração. Em sentido bíblico este tempo sagrado é o kairós. O Kairos, a plenitude do tempo, corresponde aquele momento em que a manifestação de Deus irrompe na história. “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho.” (Galatas 4:4) É a intervenção do sagrado no khronos. Quando o kairós atravessa o khronos o homem esta posto entre o alfa e o Omega.

Isaías 44:6 “Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu Redentor, o Senhor dos exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e fora de mim não há Deus.”
Apocalipse 1:8 “Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso.”
Apocalipse 1:11 “Dizendo, eu sou o Alfa e o Ômega, o primeiro e o último:”
Apocalipse 22:13 “Eu sou o Alfa e o Ômega, o primeiro e o derradeiro, o princípio e o fim.”
“Seu sentido original – o tempo oportuno, o tempo de agir – deve ser contrastado com o khronos, o tempo mensurável ou tempo do relógio. O primeiro é qualitativo, o segundo é quantitativo. A palavra inglesa timing expressa algo de caráter qualitativo do tempo, e se falássemos de um timing de Deus em sua atividade providencial, este termo se aproximaria do sentido da palavra kairos.” (TILLICH, 2005, p. 800).

A Ceia recria os elementos primordiais usados na celebração: o pão e o vinho. A oferenda é simbólica. O valor da oferenda torna-se maior pelo fato de se tratar do melhor que o homem pode oferecer, representado pelo pão e pelo vinho que simbolizam o melhor do trabalho humano, seu cuidado e sua consagração pessoal a Deus através das orações e do partir o pão com o seu povo. “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações.”“ E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam com alegria e singeleza de coração.” (ATOS 2:42 e ATOS 2:46).
O trigo e a uva foram escolhidos como símbolos em função de alguns atributos  como por exemplo: a) Por serem produtos agrícolas, o homem precisa cultivá-los e isso envolve não só o esforço físico como também um desempenho psicológico de aplicação, paciência, devotamento e respeito as leis da natureza (de Deus) e seu  ciclo natural de vida; b) São produtos naturais e conhecidos no mundo todo, o que colabora com a expansão do cristianismo; c) Onde há o cultivo agrícola há o surgimento de uma nova comunidade e o desenvolvimento de uma cultura. d) Alimentos básicos na refeição judaica, símbolos também do trabalho cooperativo dos homens: um semeia, outro colhe, outro mói, outro coze, outro transporta; e outro come o pão. (LURKER, 1993, p. 172).
Na mesopotâmia o pão era considerado um elemento divino; Adapa, um deus babilônico, era considerado o padeiro divino, o divino fabricante do pão. O pão simboliza a capacidade de doação da natureza ao homem e a capacidade humana de numa teia de cooperação transformar a natureza em vida ou alimento para a vida. Alimento principal dos povos antigos, o pão assumiu o sentido vital do que nutre e sustenta o corpo humano. O pão é alimento e pronto!

“Pão é mais do que fruta que o homem pode simplesmente colher da árvore; não é apenas o dom da colaboração de sol, terra, mas também produto de trabalho humano. Pão e vinho são partes dos dons admiráveis do céu e da terra (Sl. 104:15). Somente os eleitos participam do pão que não foi feito por mãos humanas; tal pão verdadeiramente celeste foi o maná destinado a matar a fome dos israelitas (Ex.16:14). (LURKER, 1993,p. 172).

Jesus utiliza-se do pão em sentido absoluto para representar simbolicamente a si mesmo e a sua obra; “E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede”(João 6:35) e “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo.”(João 6:51; LURKER, 1993, p. 173).
O pão é uma das primeiras coisas que o homem deve pedir a Deus(Mt.6:11). Não é significativo que nas duas parabolas sobre a oração (Luc. 11:11 e 11:5-10) Jesus tome o pão como símbolo do pedido? Somos  tentados a ver no pão não somente um símbolo, mas a lhe dar singnificação mais profunda. Contudo o grande texto é João 6, em que Jesus afirma ser o pão de Deus. a) Que ele é a nutrição de todos os homens: é ele e só ele, que dá vida aos homens; b) Que o maná (do qual não se diz no AT que seja o pão celeste, mas o pão(proveniente) dos céus, só o Sl 78:24 diz trigo celeste, foi apenas temporário, dando vida temporária e foi prefigurado do pão verdadeiro, que Jeus Cristo dá agora; c) Que sua vinda e seu sacrificio são a dádiva definitiva do verdadeiro pão ao mundo, isto é, da vida verdadeira; d) Que todo aquele que quiser viver, deve comer deste pão. Por meio deste pão Cristo transmite a vida, que ele mesmo recebeu de seu Pai(Jo. 6:57). Como comer hoje deste pão? Pela fé(Jo. 6:29, 30,34) O  sacramento da eucaristia é o pão de Deus para ser comido, prfigurando pão vivo, Jesus Crsito. .(Jo. 6:53-56;  ALLMEN, 1972, p. 313-314).
O  pão da Ceia do Senhor é antes de mais nada um sinal da vida e da obra de Cristo. O pão partido pelo oficiante é pão, antes, durante e depois da Ceia,mas é um símbolo do corpo de Cristo partido na cruz do calvário. É símbolo da freconciliação com Deus: Disse-lhes, pois, Jesus:

“Na verdade, na verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu; mas meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu.
Porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo.
Disseram-lhe, pois: Senhor, dá-nos sempre desse pão.
E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede.(João  6: 32-35)”

O vinho é um desses símbolos religiosos universais. Ao vinho é atribuído um espírito que produz um estado de embriaguez. Tanto pode levar a um estado de êxtase quanto pode produzir um estado de degradação.  No mundo antigo, no mundo bíblico o fruto da videira assumiu um caráter mágico e medicinal. (I Timóteo 5:23: “Não bebas mais água só, mas usa de um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades”.O vinho é visto com o meio de conservação da existência da mesma forma que o pão representa o meio físico ou material. Esses dois aspectos do vinho, seu emprego e seu abuso, seus benefícios e sua aceitação aos olhos de Deus e sua maldição estão entrelaçados na trama do Antigo Testamento de tal modo que o vinho pode alegrar o coração do homem (Sal. 104:15), ou pode fazer a mente errar (Isa. 28:7). O vinho pode ser associado ao regozijo (Ecl. 10:19) ou à ira (Isa. 5:11); pode ser usado para descobrir as vergonhas de Noé (Gên. 9:21) ou, nas mãos de Melquisedeque pode ser usado para honrar a Abraão: “E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo” ( GÊNESIS  14:18).
No Novo Testamento o vinho ocupa um lugar de destaque no ministério de Jesus quando Ele transforma água em vinho. (João 2: 1-112). O milagre é uma parábola em movimento que aponta para Deus. Neste caso aponta para Deus na face de Cristo. O objetivo primordial desse milagre foi manifestar a sua glória (JOÃO 2.11), de modo a despertar fé pessoal e a confiança em Jesus como o Filho de Deus, santo e justo, que veio salvar o seu povo do pecado. O primeiro milagre de Jesus consistiu em transformar água em vinho. A festa dos noivos regada ao bom vinho aponta para a alegria que irrompe no coração dos crentes ao ver realizado o seu sonho de se encontrar com Deus.  Assim o povo de Deus vendo a água transformar-se em vinho manifesta a alegria no coração com a manifestação pública do reino de Deus.
O vinho era considerado um remédio sagrado. O bom samaritano derramou azeite e vinho nas feridas do homem que caíra nas mãos do assaltante. (Lucas 10:34). “Ponto alto da simbologia bíblica do vinho constituem as palavras de Jesus na última Ceia, ao dar aos discípulos o cálice:” Bebei dele todos, pois isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado por muitos para a remissão dos pecados. (Mat.26:27; LURKER, 1993, p. 162-163).
O simbolismo do vinho na Bíblia sagrada, portanto aponta para a alegria. Na Santa Ceia aponta para a tristeza da morte de Cristo e para alegria da sua ressurreição.   No Antigo Testamento o vinho é um dos dons de Deus ao homem; (Gen. 49:11:27:28: Salmo 104:15; Jz. 9:13).; o vinho celebra a aliança de Abraão com Melquisedeque,  Gen. 14:18-20: “E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo. E abençoou-o, e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra; E bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos. E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo.” O vinho simboliza também a vida. Os sumerianos acreditavam que a árvore da vida era uma videira. (ALLMENN, 1972, p. 443-444).

“Encontramos idênticas ligações com a alegria, a aliança, o sangue, a vida e o reino de Deus por vir. O novo vinho de Mateus 9:17 representa a nova aliança que provocou o rompimento dos limites que aprisionavam a antiga. Os dois vinhos de João 2 podem cada um representar uma aliança (embriagados da antiga aliança, muito esgotada já, os judeus não podem mais provar a nova, embora bem melhor). O cálice da eucaristia é o cálice da nova aliança. Do mesmo modo, o cálice da Ceia está em ligação íntima com a alegria, o sangue, o reino, especialmente em Lucas 22:14-20, o qual, distinguindo dois cálices, permite melhor perceber todos estes matizes.( (ALLMENN, 1972, p.449).

É evidente que a maior utilidade do vinho o yayin do Antigo Testamento ou o oinos do Novo Testamento, tal como se passa nos países de tradição vinícola, como Portugal, era para ser bebido junto com as refeições. Era a bebida do pobre embora houvesse outros tipos de vinhos a custos mais elevados, só acessíveis a uma minoria.
Há na Bíblia várias passagens em que o vinho era utilizado como medicamento. É o caso de Lucas 10:34, na parábola do bom samaritano, em que este deitou azeite e vinho nas feridas. Temos também em I Timóteo 5:23 o caso de Paulo aconselhar Timóteo a beber um pouco de vinho por causa das suas enfermidades. Muito tem se falado sobre os benefícios que uma taça de vinho diariamente durante as refeições pode trazer. Algumas pesquisas dizem que quem degusta a bebida todos os dias tem mais possibilidades de controlar a hipertensão; prevenir ataques cardíacos; aumentar o colesterol bom (HDL) e reduz o mau (LDL); retardar o envelhecimento celular; ou mesmo diminuir os riscos de desenvolver doenças como: resfriados, gripes e até o câncer. Outras apontam que quem consome a bebida é mais inteligente, apresentando coeficientes de inteligência mais expressivos.

“Respondendo Jesus, disse: Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão; E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele.”( LUCAS 10:30-34)

No Antigo Testamento, encontram-se passagens que determinavam as ofertas de vinho dedicadas ao Senhor, em Êxodo 29:40; Levíticos 23:13; Deuteronômio 14:26, onde aparece a mesma palavra yayin que serviu para embebedar a Noé em Gênesis 9:20. Também Melquisedeque, rei de Salém e sacerdote do Deus altíssimo, tantas vezes citado como um exemplo digno de se segui, quando se fala no dízimo, em Gênesis 14:18 trouxe pão e vinho, yayin. Em várias passagens encontram-se referências ao pão, vinho e azeite, as bases da alimentação no Antigo Testamento.
Quanto à questão relacionada ao teor de álcool presente no vinho utilizado no Antigo Testamento, quanto no Novo Testamento deixo a como sugestão para pesquisa dos exegetas. Registra-se, todavia que existe uma recomendação bíblica para a moderação e a temperança em tudo, e especialmente no uso do vinho mesmo na Ceia do Senhor. I Coríntios 11 e Efésios 5:18: E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito”; ver ainda:  1 Timóteo 3:3-8:  Habacuque 2:5.
A Ceia acontece no espaço primordial da celebração: a mesa de Deus.  No Brasil a liberdade religiosa limitada, imposta pelo Artigo 5º da Constituição de 1824 e mantida quase nos mesmos moldes pelas demais Constituições, impediu a construção de templos como espaços sagrados. Os cultos protestantes e de outras religiões poderiam ser realizados em casas, para isto, destinadas sem formato algum exterior de templos. “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma de templo.” (RIBEIRO, 1973, p. 32). Esta proibição da construção de templos religiosos protestantes comprometeu a representação de espaço sagrado nesta religião.
A representação social do espaço é construída a partir da representação que o sujeito tem do seu próprio corpo. O corpo é o marco de referência para a construção de todos os espaços, mas especialmente para a delimitação do espaço sagrado. A partir do corpo o sujeito constrói a noção de espaço privado, espaço público, espaço profano e espaço sagrado. A delimitação corporal destes espaços depende das crenças do sujeito. O espaço profano corresponde no corpo, aquele lugar que pode ser visto e tocado por todos, por exemplo, as mãos. Em termos geográficos é o espaço do trabalho, do lazer, os logradouros públicos, aqueles espaços que podem ser repartidos por todos indistintamente, independente de qualquer vínculo religioso ou afetivo entre aqueles que ocupam e repartem tal espaço. O espaço sagrado corresponde às partes mais íntimas e privadas do corpo. Seria o lugar onde acontece a manifestação do sagrado em termos geográficos.  A semelhança do Olimpo corresponde à morada dos deuses. Lá acontece sua revelação, suas festas e sua manifestação (GOMES, 2006; MIRANDA, 2009).

“Feito à imagem e semelhança de Deus, o corpo humano é postulado desde o princípio do texto bíblico como um território do sagrado. (Gen. 1:26). Não se trata apenas de um monte de órgãos, vísceras, fluídos e funções. Na língua hebraica, todas as partes do corpo humano são hipostasiadas e dotadas de atributos psíquicos e espirituais. Cada parte do corpo humano leva em si mesma uma consciência do verdadeiro Eu e de sua unidade. É a hypostasis grega, a Pessoa, única e irrepetível, ícone divino, criado ao som do Verbo e na ressonância de seu Nome. Como na visão cristã do Invisível trinitário, somos um Falante, que fala uma palavra, dualidade que procede de um Sopro. A consciência corporal é hispóstase quando e sempre o existente coloca-se em relação com seu existir.” ( MIRANDA, 2009, p. 11).

João Calvino pouco escreveu sobre o corpo. A teologia calvinista profundamente influenciada pelos escritos de Santo Agostinho postula que Deus é soberano sobre todo o universo e toda a criação e que o homem foi criado a sua imagem e semelhança. Imagem e semelhança, entendida aqui, em sentido espiritual, ético e moral. O homem reflete em sua natureza, embora decaída, aqueles atributos comunicáveis de Deus ligados à ética e a moralidade tais como o amor, a justiça, a santidade e a autodeterminação. Calvino formulou a doutrina da predestinação segundo a qual Deus escolheu, antes da fundação do mundo, alguns homens para a salvação eterna e outros para a danação.  O homem predestinado para a vida eterna é livre para fazer a vontade de Deus. Esta servidão voluntária é o sinal e o pressuposto da eleição (CALVINO, 2006).
Nesta condição de eleito de Deus, o corpo humano transforma-se no templo do Espírito Santo. No entanto, ao postular o corpo como morada de Deus, a teologia calvinista longe de resolver o problema do corpo, cria para o cristão um paradoxo ainda maior: como resolver o conflito gerado pelos instintos de um corpo naturalmente animal com a necessidade de preservar este corpo como morada de Deus?  Só resta ao cristão calvinista a saída pela ética da via negativa: O corpo torna-se a clausura do cristão, o seu deserto é o mundo, seu corpo, a sua cela, seus desejos, o seu convento. Talvez seja esta a forma mais vigorosa de repressão que o ser humano engendrou. O cristão calvinista é chamado do mundo pela palavra de Cristo, São Mateus 11:28:  “Vinde a mim.” E em seguida, é enviado ao mundo pela mesma palavra Marcos 16:15: “Ide e pregai.” No mundo, o cristão deve provar a sua predestinação e sua eleição pela rejeição de todas as formas de prazeres mundanos. O sinal da sua santificação é a clausura em seu próprio corpo, pois seu corpo é seu mosteiro. João Calvino:

Por esta razão São Paulo conclui que somos templos de Deus, por seu Espírito que habita em nós (I Coríntios 3; 17; 6:19; II Cor. 2. (…) E o mesmo apóstolo com idêntico sentido, algumas vezes, nos chama templos de Deus e outras templos do Espírito Santo (CALVINO, p. 80).

A teologia do corpo como templo do Espírito Santo e suas implicações para a delimitação do espaço sagrado e mesmo da saúde é praticamente desconhecida dos arraiais protestantes.
O púlpito é geralmente ocupado pelo pastor e ou pelo oficiante. O povo fica excluído naturalmente deste espaço e dele participa apenas por meio da pregação da palavra de Deus.  Na celebração da Ceia o epicentro do espaço sagrado foi identificado com a Mesa do Senhor. Mesa aqui entendida como o espaço encantado pela presença de Deus. Neste espaço estão sentados deste Abel até o último que ouvir o chamado primordial “vinde e comei.” “Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar.” (Atos 2:49). A Mesa do Senhor como espaço sagrado tem mais um sentido psicológico e espiritual do que geográfico.

“O mesmo ocorrre com o espaço. Como demonstrou Hamelin, o espaço não é aquele meio vago e indeterminado imaginado por Kant; pura e absolutamente homogeneo, não serviria para nada e sequer poderias ser pensado. A representação espacial consiste essencialmente em uma primeira coordenação introduzida entre os dados da experiencia sensível.” ( DURKHEIM, 1989, p. 40).

A Ceia naturalmente evoca os sentimentos primordiais envolvidos na celebração. Na Cristianismo Primitivo a celebração da Santa Ceia era uma festa. Chamada Ágape ou festa do amor. Todos os cristãos reuniam-se em o nome do Senhor Jesus Cristo para a celebração na Ceia. Um almoço, um jantar, às vezes os dois. O ágape transcorria geralmente o dia inteiro e entrava pela noite a dentro. No domingo para marcar que a ceia referia-se também a ressurreição e não somente ao sacrifício vicário da morte de Cristo. Alem disso proclamavam as coisas que Jesus estava realizando no meio do seu povo. O ágape era uma festa kerigmática e eucarística. “Reunidos no dia do Senhor, parti o pão e daí graças. Após confessardes vossos pecados, a fim de que seja puro o vosso sacrifício.” (XIV. A Didaquê, ou o Ensino dos Doze Apostolo). Cânticos espirituais, orações, testemunhos, pregação da Palavra estes elementos compunham de forma simples toda a celebração. No centro da celebração estava a Ceia do Senhor.

“No tocante a eucaristia, dareis graças desta maneira: primeiramente sobre o cálice:”Damos-te graças, Pai nosso, pela santa vinha de Davi, teu servo, que nos deste a conhecer por meio de Jesus, teu Servo. A ti seja glória eternamente! ’. Em seguida, sobre o pão partido:’Damos –te graças, Pai nosso,pela vida e pelo conhecimento que nos manifestantes mediante Jesus, teu Servo. A ti seja a glória eternamente! Como este pão achava-se disperso sobre os montes e, reunido, se fez um, assim, desde os confins da terra, seja congregada tua Igreja no teu Reino. Pois tua é a glória e o poder, por Jesus Cristo, eternamente. Que ninguém coma nem beba da eucaristia, exceto os batizados em nome do Senhor, pois sobre ela disse o Senhor: Não deis o que é santo aos cachorros.! (IX. A Didaquê, ou o Ensino dos Doze Apostolo, p:).

Na celebração da Ceia do Senhor se recria e se revive os sentimentos primordiais, o ágape, festa do ágape. A Igreja Apostólica não pode construir lugares próprios para seus cultos em função das perseguições religiosas que sofria constantemente da parte do Império Romano e mesmo dos judeus. A Igreja então dispunha dos rituais liturigocos mutio elabrados. O protestantismo missionário que foi transplantado para o Brasil mannteve esta simplicidade liturgica.

“ O culto público é celebrado usualmente na seguinte ordem: lª Oração pedindo a presença de Deus. 2ª Cântico de um psalmo ou hymno. 3ª Leitura das Escipturas: 4ª Oração; 5ª Cantico de um psalmo ou hymno. 6ª Sermão sobre uma passagem da Esciptura. 7ª Oração. 8ª O levantamento de um a collecta para algum fim religioso. 9ª Cantico de psalmo ou himno. 10ª Benção apostólica.( Epitome da Forma de Governo e Disciplina da Igreja Presbyreriana, 1874, p. 26).

Havia os cultos de oração,  de adoração e a festa do ágape.  A festa do ágape era conhecida como a festa do amor ou da fraternidade. Os cristãos reuniam-see geralmente num dmingo para anunciar o que Deus  estava realziando no meio do seu povo. Ali aproveiatavam para tomar juntos uma refeição simples, com alegria e singfeleza de coração. Esta refeição era compartilahada como um símbolo do amor de Cristo derramado no coração dos cristão.Cada um trazia um pouco do que possuia para comer e estes elementos eram repartidos entre todos. Depois de louvores com cãnticos espirituais, orações, adorações e testemunhos, muitos testemunhos,  a Ceia do Senhor era celebrada. No sengundo século da era cristã, paulatinamente a festa do amor foi sendo esquecida e a Ceia do Senhor separada desta festa e celebrado dentro de um ritual liturgico.(Atos, 2:42-46; NICHOLS, 1954, pp. 10-20).

A ligação da Ceia como refeição comunitária com a ceia do Senhor resulta explicitamente de I Co. 11:17-34. Será tomado por base Também a ceia do Senhor (kyriakòn deípnon) ocorre no contexto de uma reunião dos crentes em Cristo (1 Cor. 11:17ss), esta ligada a uma refeição que visa a saciedade(11:21) e acontece entre a palavra do pão e a do cálice: 1 Cor. 15:25: após a refeição é pronunciada a palavra do cálice. Entretanto a função da ceia do Senhor de fortalecer a coesão do grupo parece ter sido prejudicada em Corinto.(STEGEMANN 7, STEGEMANN, 2004, PP. 319-321).

Simbolicamente a Ceia evoca o sentido do sacrifício primordial de Cristo na cruz do calvário.
No conceito de Jung, a Santa Ceia (1991) representa um rito do processo de individuação já que reproduz, através de suas passagens, a vida de Cristo. A Ceia é a epifania, a soma de uma evolução de milhares de anos e resultante de muitas culturas, que fez a experiência, inicialmente isolada, de um determinado indivíduo tornar-se patrimônio comum de um grupo maior. O cristianismo transformou a celebração dos mistérios em ato público com a preocupação de introduzir o maior número possível de pessoas na experiência do mistério. A transformação que ocorre no mistério é menos uma operação mágica do que processos espirituais e psicológicos.
A função ritual da Santa Ceia é impregnar as gerações sucessivas de respeito  pela presença, rastros e pelas obras terríveis do sagrado, levando os a participar fervorosamente da vida religiosa e consagrar-se com todas as suas forças à consolidação da ordem divina estabelecida e a proclamação do reino de Deus entre os homens como fruto do amor salvífico de Jesus Cristo. Os ritos constituem um prodigioso instrumento de conservação religiosa e social, garantindo a dominação das gerações mais antigas sobre as mais novas, de legitimação da realidade. O ritual religioso tem a sua origem primordial na vítima expiatória, e as grandes instituições humanas, religiosas e profanas, provêm do rito. “A terceira modalidade de transmissão do mito é sua expressão concreta, objetivado pelo gesto e pelo corpo: o rito é a memória gestual do mito.” (HAMANI, 1995, p. 10-11). É inevitável que assim seja, pois o próprio mecanismo do pensamento humano, também se enraíza na vítima expiatória. A vítima expiatória, mãe do rito aparece como a educadora por excelência da humanidade. O rito faz pouco a pouco o homem sair do sagrado, permite que eles escapem de sua violência, afasto-os dela, confere-lhe todas as instituições e todos os pensamentos que definem sua humanidade (GIRARD,1994).
Na Missa Católica o sacerdote, segundo Jung (1980) oferece sobre o altar um verdadeiro sacrifício, tendo a Cristo como vítima – hóstia. O Concílio de Trento inclui os seguintes elementos no sacrifico da missa: a) O sacrifício da missa é um sacrifício visível – é visível por que a atual natureza do homem exige alguma coisa que apele para os sentido; b) é incruenta, na missa faz se uma oferta do corpo de Cristo sem o sangue derramado e sem a dor do Cristo na cruz. c) O Cristo da missa é idêntico ao Cristo do Calvário. d) a Missa destina-se a participação do povo no corpo e não no sangue, daí distribui-se apenas a hóstia e não o vinho. e) o sacrifício da missa não é oferecido a Deus e nem a um santo. Pelo processo da transubstanciação pão e o vinho transformam no corpo e no sangue de Jesus Cristo através do ritual da missão. (SCHAFF, 1964, p. 318-327).
No protestantismo calvinista a Ceia do Senhor é apenas um símbolo deste sacrifício e um meio de graça. É a participação pela fé nos benefícios do sacrifício primordial. O sacrifício primordial é a morte de Cristo na cruz do calvário e não a sua representação por meio da Ceia do Senhor. No entanto o caráter simbólico da Ceia permanece como meio de graça. A Santa Ceia no protestantismo é um símbolo visível de uma graça invisível.

“Vós, porém, que vos achais arrependidos dos vossos pecados, que desejais Jesus Cristo e sois membros do seu corpo, tendes direito de participar deste sacramento. Foi para vós, que nosso Senhor Jesus o instituiu. Ele quer que participemos do pão em memória sua, porque é símbolo do seu sangue vertido para a nossa salvação. Quer testemunhar por este rito de caridade perfeita, que nos amou, para que os nossos temores se desvaneçam. ( I João 4:18)”( MANUAL DO CULTO, s.d., p. 27).

  1. Considerações Finais

O simbolismo religioso abre, pela sua linguagem universal, a possibilidade de se estudar as religiões comparadas e buscar unidade dos mitos e dos ritos levando a compreensão da construção social da própria mentalidade humana (Girard, 1994). Daí pode destacar alguns aspectos essenciais à criação de um símbolo religioso: O caráter primordial do símbolo religioso que faz com que o homem, ao entrar em contato com o mesmo, recrie a experiência primordial que lhe instaurou e desfrute das propriedades benéficas ou maléficas inerentes ao mesmo, revivendo, deste modo, a experiência primordial para além do tempo e do espaço. O pensamento de Rubem Alves sobre o simbolismo religioso, esclarece um aspecto importante sobre este tema isto é: nenhum simbolismo religioso jamais é completo em si mesmo e conclusivo em sua linguagem embora aponte caminhos para o percebedor. A título de conclusão registraremos o pensamento seu pensamento sobre o Simbolismo Religioso, (1991, p. 22) diz ele:
A palavra religião é utilizada por Jung no sentido de religio (re e ligare), tornar a ligar. Religar o consciente com certos conteúdos do inconsciente. Estes conteúdos são carregados por fortes cargas energéticas. O contato com esse conteúdo é chamado experiência numinosa. O contato com o numinoso pode acontecer através das orações, meditação, sonhos, visões ou êxtases.
A religiosidade como função transcendente é suscetível de ser desenvolvida, cultivada e aprofundada, mas também pode ser negligenciada, deturpada ou reprimida. Além de ser expressa em imagens divinas antigas, a carga energética pode ser expressa por meio de objetos, símbolos, ídolos etc. A linguagem das religiões é feita de símbolos. Jung interessou-se especialmente pelos símbolos cristãos, devido a grande influência cristã no mundo. Na sua obra científica, Jung fala do arquétipo de Deus na psique, sem nunca afirmar ou negar a sua existência. Entretanto, para Jung como homem, Deus era uma experiência imediata das mais certas. Um fator desconhecido que chamou de Deus.
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